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Reinaldo Azevedo

A denúncia: no 20º ano do 1º Harry Potter, Janot é Voldemort contra o Estado de Direito

Reinaldo Azevedo

26/06/2017 23h29

Esse é Rodrigo Voldemort Janot a apelar a um de seus saberes jurídicos. Todos morrem de medo

Rodrigo Janot, procurador-geral da República, cobre de opróbrio e de ridículo a Procuradoria-Geral da República. Certamente nunca se viu nada assim naquelas paragens. E duvido que experiência igual se repita. A primeira barbaridade está em oferecer ao menos duas denúncias, quem sabe três, contra o presidente Michel Temer, tendo um mesmo evento como fato gerador. Nesta segunda, ele apresentou a que acusa Temer de corrupção passiva. Faltam agora as imputações de organização criminosa e obstrução da investigação. Ele ainda não sabe se vai juntar ou não as duas.

É indecoroso!  É indecente! É espantoso que tenhamos chegado a isso. Ainda que Temer fosse culpado dos três crimes, é claro que as três imputações teriam de estar numa só denúncia. A menos que o objetivo do procurador-geral seja, e é, depor o presidente a  qualquer custo, apostando no desgaste e no esboroamento da base de apoio. Se depender de tucanos, já sabemos nos que dá, não, é mesmo? Vamos à denúncia.

Fiz e recomendo que todos o façam antes de opinar: Li as 64 páginas da denúncia (íntegra aqui). Atenção, 34 não têm relação nenhuma com o caso. Não passam de uma tentativa canhestra de ligar o presidente a supostos crimes cometidos na área portuária. Notem: ainda que tenham sido cometidos, não estão ali evidenciados. Na verdade, não estão nem mesmo esboçados com a força necessária a conferir ao menos verossimilhança à narrativa. E Janot é obrigado a admiti-lo, tanto é que reconhece a necessidade de instaurar um novo inquérito. Vale dizer: doutor Janot tem a acusação; ele só não tem ainda os fatos.

Sobre a questão dos portos, e eu já volto à tal mala de dinheiro, escreve o procurador-geral de maneira impressionante:
"Dessa maneira, há nos autos elementos suficientes que justificam a instauração de investigação específica para melhor elucidar os fatos, de maneira não apenas a confirmar a identidade das pessoas mencionadas, como também esclarecer em quais circunstâncias atuaram para repassar dinheiro ilícito aos denunciados. Ainda, deve-se apurar de que maneira os serviços eventualmente prestados por representantes da RODRIMAR S.A., RICARDO CONRADO MESQUITA, diretor, e ANTÔNIO CELSO GRECCO, sócio e presidente, estão vinculados à edição do Decreto dos Portos (Decreto nº 9.048/2017), assinado pelo próprio MICHEL TEMER."

Entenderam! O doutor dedicou 34 páginas a crimes supostamente cometidos pelo presidente e seus braços operantes. Janot só não sabe qual crime foi cometido, como foi, em que circunstância e que ligação tem com o decreto assinado por Temer, a caracterizar o ato de ofício.

Certo. Então fiquemos nas 30 páginas em que o valente afirma que Temer cometeu crime de corrupção passiva, em companhia de Rodrigo Loures. Lembram-se daquela propina que seria paga ao longo de 25 anos, que poderia render quase R$ 600 milhões? Até a Janot deve ter parecido excessivo, né? Até a uma mente não particular, a soma pareceu ridícula. Que ação no Cade vale mais de meio bilhão de reais?  Afinal, imaginem o poder de um presidente no dia seguinte ao fim de seu mandato… Mais: nessa hipótese, Temer receberia a "aposentadoria", como chamou Ricardo Saud, até… 102 anos. Na hipótese mais aloprada, ATÉ 107…

Bem, mas, então, para oferecer a denúncia, a gente supõe que o procurador-geral já sabe que ato Temer praticou no Cade, certo?, que evidencie que houve mesmo uma relação de troca. Errado! Ele não tem nada também nesse caso. À página 20, transcreve a solicitação da Polícia Federal, a saber:
"A par disso, tendo em vista a indefinição acerca da legalidade da atuação de dirigentes do CADE no Inquérito Administrativo nº 08700.009007/2015-04, cujo contexto, conforme exposto, está a reclamar a realização de diligências adicionais para sua melhor elucidação, REPRESENTO pela cisão processual e instauração de inquérito específico, em Juízo próprio, com o escopo de apurar a possível prática de condutas previstas nos artigos 317, § 2º, e 321 do Código Penal."

Aí é a vez de Janot dizer de moto próprio:
A despeito de confirmada a intervenção ilícita dos denunciados junto ao CADE, a favor dos interesses empresariais do grupo J&F, conforme aclarado na peça acusatória, faz-se necessário o prosseguimento das investigações em relação aos servidores públicos que trabalham no CADE, a fim de que seja esclarecido, efetivamente, se houve alguma conduta criminosa por parte deles.
É importante repisar que essa investigação, a ser instaurada na instância competente (Justiça Federal de Brasília) é autônoma para a análise dos fatos ora denunciados, uma vez que, como se depreende da narrativa fática exposta na denúncia, a responsabilização penal de RODRIGO DA ROCHA LOURES e MICHEL TEMER independe de possível crime também praticado pelos servidores públicos da autarquia. Além disso, é preciso perquirir também se eventual ilícito foi praticado por funcionários da Petrobras, em razão do contrato firmado entre a estatal e a EPE, assinado em 13.04.2017, com vigência até 31.12.2017, cuja primeira compra estava prevista para o dia 17.04.2017 e ensejou o pagamento da propina".

Dito de outro modo: Rodrigo Janot nada sabe sobre o caso.

Que fique claro! É um ente do Estado que está sendo desmoralizado: a Procuradoria Geral da República.

Segundo Celso de Mello, como é mesmo?, o Supremo não pode ser desleal com o procurador. Seja lá o que isso queria dizer, não se trata de direito, mas de mera relação de compadres.

A boa sacada fico mesmo com Gustavo Haddad Braga, um jovem de 22 anos, que se formou em engenharia elétrica pelo MIT aos 19 e estuda direito por conta própria. Mantemos correspondência por WhatsApp. Ele me mandou esta:
"Foi realmente muito sensato da parte de Janot apresentar sua denúncia contra Temer justamente hoje, dia em que se comemoram os 20 anos do primeiro livro de Harry Potter. A imputação é, afinal, verdadeira bruxaria."

Na mosca!

Janot é o Voldemort do Estado de Direito.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.