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Reinaldo Azevedo

À deriva, embora finja mão de ferro, PSDB ameaça tirar da CCJ Bonifácio de Andrade, 87 anos

Reinaldo Azevedo

04/10/2017 08h24

Ricardo Trípoli, líder do PSDB, que assedia Bonifácio de Andrada para que deixe relatoria, embora o PSDB seja um partido da base

O PSDB na Câmara, acreditem, continua a pressionar para que o deputado Bonifácio de Andrada (MG) deixe a relatoria da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer. A pressão mais direta parte do líder, Ricardo Trípoli

Poderia ser apenas — e já seria muita coisa! — um problema freudiano. Poderia ser um drama shakespeariano. Num caso, o PSDB estaria em busca de sua identidade, o que explicaria a instabilidade, a indefinição e o oportunismo de muitos. No outro, ainda que também remetendo a questões identitárias, a legenda se veria torturada por uma consciência que se quer reta, mas obrigada a se vergar ao mundo malsão. Mas não é nada disso. Assiste-se a um espetáculo pervertido e até perverso de oportunismo.

Notem: o drama que envolve o senador Aécio Neves (MG) já deveria ser problema o bastante para a legenda. Observem que, como sempre, não vou entrar no mérito se é culpado ou inocente — mas destaco porque, afinal, deixo sempre a covardia para outros: ganha um ninho só seu — e, assim, não precisa tomar o de outro passarinho, como fazem os tucanos na natureza — o peessedebista que encontrar na denúncia de Rodrigo Janot contra Aécio a contrapartida àqueles R$ 2 milhões que pudesse caracterizar corrupção passiva. Se há, não está lá. E o que está é de um ridículo atroz: sugere que a JBS doou R$ 60 milhões à campanha de Aécio — dinheiro devidamente registrado — em troca de uma renúncia fiscal de R$ 24 milhões. É, gente… A dupla do sertão mental brasileiro Joesley e Wesley ficou bilionária trocando 60 por 24…

Muito bem: o caso Aécio estaria a exigir especial dedicação do partido porque, insisto, além de ser decoroso que uma agremiação defenda os seus, até que a culpa não esteja devidamente caracterizada ao menos, urge que se preservem as prerrogativas não dos parlamentares, mas do Parlamento. O trio que puniu Aécio — Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber — ignorou solenemente a Constituição. No caso de Barroso, houve até um champanhe aberto em gabinete naquele dia. Não ficou muito clara a natureza da comemoração.

Aécio é um bom sinal de advertência contra as arbitrariedades do MPF. O PSDB, no entanto, não se emenda. Na primeira denúncia, 22 deputados se alinharam com o relatório do deputado Paulo Abi-Ackel (MG), que recomendava o arquivamento. Na contramão, ficaram 21. E houve quatro ausências. Aquela denúncia já era, como se sabe, frouxa. A gravação não trazia aquilo que Rodrigo Janot jurava estar lá: a anuência do presidente com a compra do silêncio de Eduardo Cunha. Também não se evidencia o vínculo de Temer com o dinheiro recebido por Rocha Loures, posteriormente devolvido. O então procurador-geral convidava a todos a acreditar nas suas palavras.

Se assim era naquela primeira peça acusatória, esta segunda, então, percorre todos os caminhos do ridículo. Como já afirmei aqui, Janot, o destruidor-geral da República, chegou a abrir uma concorrência pública entre Lúcio Funaro e Eduardo Cunha para ver quem fazia acusações mais duras ao presidente. Em entrevista, o próprio Cunha já afirmou que foi, digamos, convidado a acusar Temer. Como se negou, Funaro, um contumaz engabelador da Justiça e do MPF, resolveu assumir esse papel. Falou tudo o que a PGR, sob o nefasto comando do então procurador-geral. A denúncia integra a antologia da infâmia. Com Funaro, inaugurou-se no país a delação terceirizada. É grotesco!

Se a primeira denúncia decorria do exercício porco do direito, esta outra não reconhece a fronteira do ridículo. O presidente Temer é acusado simplesmente porque estava no comando ou do PMDB ou da República. Mais: a peça só chegou à Câmara porque os ministros do Supremo, com a exceção de Gilmar Mendes, deram trâmite a uma peça flagrantemente inconstitucional. A esmagadora maioria das acusações diz respeito ao período em que Temer não era presidente. E, como se sabe, o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição é explicito: "O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções." Mesmo assim, permitiu-se a tramitação.

Pois bem… Rodrigo Pacheco (PMDB-MG), presidente da CCJ, escolheu o tucano Bonifácio de Andrada (MG) para ser o relator da CCJ. Ricardo Trípoli (SP), o líder da legenda na Câmara, faz pressão para que ele renuncie ao posto. Vale dizer: os tucanos que foram para a oposição, embora permaneçam no governo, estão tentando impor a linha dura ao partido. Bonifácio disse que não vai abrir mão da relatoria, a menos que Pacheco o dispense. E há, sim, outros caminhos para o PSDB deixar claro o seu caráter oposicionista: a liderança pode simplesmente tirar o relator da CCJ, substituí-lo por outro. O deputado está com 87 anos e era, até anteontem, uma espécie de figura intocável.

Ocorre que os oportunistas, incapazes de defender, dentro das regras do jogo, o seu líder máximo, colhido na armadilha de Janot, também se mostram hostis ao presidente Michel Temer. Se poderia haver alguma margem de boa-fé em quem disse "sim" à primeira denúncia, desta feita, não há a sombra de nenhuma dúvida: só poderá dizer "sim" à denúncia quem estiver fazendo populismo eleitoreiro. Nesta segunda denúncia, Janot pede a cabeça de Temer porque, afinal, trata-se de Temer. Essa temporada de Aécio no inferno, uma das raízes do crescimento de Lula nas pesquisas de opinião, deveria empurrar os tucanos para o bom senso. Destruir os dois líderes, já está claro, era parte do projeto.

E noto: que se investigue tudo o que tem de ser investigado. Vale para qualquer um. Mas que isso seja feito segundo as regras do jogo democrático.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.