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Reinaldo Azevedo

A privatização da Eletrobras e “la mala educación” inspirada pela Lava Jato: uma guerra cultural

Reinaldo Azevedo

22/08/2017 08h25

O governo anunciou nesta segunda, por intermédio do Ministério das Minas e Energia, que pretende privatizar a Eletrobras. Ou, vá lá, para pôr as coisas nos seus justos termos, quer vender a maior parte das ações sob controle estatal, mas a União continuaria acionista da companhia, mantendo poder de veto na administração. Haverá percalços técnicos a enfrentar, sim, mas as dificuldades políticas serão, acreditem, os mais relevantes.

A Eletrobras é uma holding gigantesca, que atua na geração, transmissão e distribuição de energia. Sob seu guarda-chuva estão verdadeiros ícones do estatismo elétrico, como Furnas, Chesf e Eletronorte. A holding já é de capital aberto, sob controle público: a União detém 40,99% das ações da empresa; o BNDES, 18,72%, e fundos federais, outros 3,42%. Não está claro ainda quantas ações o governo pretende vender. Nos bastidores, a expectativa é arrecadar entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões.

Depois do ciclo de privatizações que incluiu Vale do Rio Doce (1997) e Telebras (1998), nunca houve nada de porte semelhante. Parece que o governo está mesmo determinado a levar a coisa adiante. A intenção de vender a estatal foi comunicada em fato relevante à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Começa agora uma longa jornada, e o governo sabe disso. Será preciso enfrentar o cipoal da legislação e, não se enganem, a arena mais renhida dos debates será mesmo a política. Estudos feitos pelo Ministério das Minas e Energia sustentam que, nos últimos 15 anos, ineficiências acumuladas acabaram custando aos cofres públicos a bagatela de R$ 250 bilhões. Ou por outra: longe de o estatismo proteger o país e o interesse dos brasileiros, o que faz é lhes sangrar os cofres.

Abro este meu texto tratando das questões políticas. Vamos ver. A informação sobre a possibilidade de privatização da Eletrobras veio a público nesta segunda à tarde. Fiquem de olho no noticiário. Nesta terça, as esquerdas já lançarão as suas palavras de ordem contra a proposta, a começar daquele que diz fazer uma caravana no Nordeste: Luiz Inácio Lula da Silva.

Bem, meus caros, convenham: depois do petrolão, os brasucas deveriam estar a torcer para que a União se livrasse de todas essas estrovengas que lhes custam tão caro também em sentido histórico, não é? O mal não está apenas na deseconomia, na baixa qualidade de serviços, na falta de investimentos. As estatais são os entes, por excelência, do aparelhamento do Estado pelos partidos políticos. Mais do que a administração direta, é sobre elas que recai a ambição de chefetes partidários. Querem um exemplo eloquente? Se um partido político queria realmente poder, escolheria comandar o Ministério das Minas e Energia ou a Petrobras?

Infelizmente, dado o caráter que tomou a Lava Jato, quem passa por um franco processo de demonização não são as empresas estatais, mas as empresas privadas — estas, sim, tomadas como valhacoutos de bandidos e malfeitores, que teriam corrompido a essência supostamente benigna das empresas públicas. A Petrobras, por exemplo, figura nas investigações como vítima e, saibam, atua nos processos judiciais como auxiliar da acusação.

Ainda que se possa, vá lá, condescender com a ideia de que a empresa foi, sim, vítima de uma súcia de malfeitores, é preciso que se constate também que isso remete à ideia de que, não fossem os desvios — e, portanto, bastaria corrigi-los —, as estatais poderiam ser um exemplo de governança.

Não disponho de uma pesquisa — e, até onde sei, ela não existe. Mas temo, sim, que os brasileiros amem as estatais hoje ainda mais do que ontem. E isso será mel na sopa para a conversa mole das esquerdas. É bom que todos saibamos que terá início uma verdadeira, vamos dizer, guerra cultural. Mais uma. E podem se preparar: essas coisas mexem com elementos de absoluta irracionalidade.

Abro espaço para o exemplo pessoal. Em 1996, de mudança de Brasília para São Paulo, comprei um telefone fixo numa daquelas bolsas de telefone ao custo nada imodesto, então, de US$ 7 mil — sim, pagava-se em moeda nativa, mas o valor era definido em dólares. Em 1998, havia 20 milhões de linhas fixas instaladas no país. Em 2001, em razão da privatização, o número encostava em 50 milhões. Aí veio a revolução do celular. Eram pouco mais de 8 milhões em 2000; hoje, há, atenção, 280 milhões de aparelhos móveis no país. Segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas, em outubro, haverá um smartphone para cada brasileiro. Em abril, eles já eram 198 milhões.

Por que destaco esses números gigantescos? O PT ganhou com um discurso contra as privatizações. Na eleição de 2014, vocês devem se lembrar, Dilma Rousseff ainda acusou o adversário de segundo turno, o tucano Aécio Neves, de querer privatizar, ora vejam, a Petrobras. Aposto o mindinho que Lula dirá algo assim nesta terça: "Eles não sabem governar e então querem vender o patrimônio dos brasileiros".

A repulsa ao estatismo é que deveria ser a boa educação política derivada da Lava Jato. Infelizmente, noto, aqui e ali, uma espécie de recrudescimento do nacionalismo bocó. Os procuradores da operação são professores exemplares na disciplina do ódio à política e aos políticos. Mas todos eles, na prática, são entusiastas do Estado forte.

Vem árdua batalha pela frente. Que o governo Temer não recue e faça a coisa certa. Se não for ele, quem o fará?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.