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Reinaldo Azevedo

A única coisa exótica havida no STF é a liminar não ter obtido 11 votos. Ou alguém pode ser preso estando um HC em votação?

Reinaldo Azevedo

23/03/2018 04h13

Chega a ser engraçado que certos veículos de comunicação se atrevam a criticar as chamadas "fake news". A depender do tema, não se distinguem em nada do berreiro e da estupidez que grassam nas redes sociais e no jornalismo. Idiotas são sempre barulhentos. São raros os que guardam a estupidez para si porque a ignorância militante nunca é circunspecta. Acho impressionante que órgãos da imprensa profissional mantenham como colunistas pessoas que nem sequer entenderam o que o Supremo decidiu nesta quinta. Não obstante, lá estão a vomitar "fake opinions". E quando uma opinião é falsa? Quando assentada numa mentira.

Não houve exotismo nenhum na decisão do STF nesta quinta. Para começo de conversa, foi o relator, Edson Fachin — um dos esquerdistas do tribunal que hoje viraram heróis da extrema-direita e da direita de chiqueiro — quem propôs como preliminar que o plenário decidisse se o habeas corpus preventivo era ou não instrumento adequado para o caso. Por sete a quatro, decidiu-se que "sim": opuseram-se o próprio Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux e Carmen Lúcia. Eles integram o grupo dos cinco que certamente votarão contra a concessão. O quinto é Alexandre de Moraes, que, no entanto, reconheceu a adequação do instrumento.

A quantidade de besteiras e de invencionices ditas no próprio tribunal chega a assustar. Quero aqui me ater ao resultado do dia e ao aspecto mais escandaloso vivido na corte nesta quinta.

Já se caminhava para as 19h, e o tribunal nem havia dado início ainda à votação de mérito. Culpa do Lula? Não! O ministro Luiz Fux, por exemplo, contrário até ao exame do habeas corpus, ocupou espantosos 19 minutos só na questão preliminar.

Foi, então, posta em votação a proposta de adiar o julgamento. E, em razão do calendário do STF — e também por ele Lula não pode responder —, a nova seção só pôde ser marcada para 4 de abril. Ora, o TRF-4 já anunciou que torna pública a resposta aos embargos de declaração no dia 26 deste mês. E Lula poderia, então, ser preso.

Entre 18h18s e 18h19s (o programa está aqui), antevi no programa "O É da Coisa" que a votação não seria concluída nesta quinta e afirmei que se fazia obrigatória a concessão de uma liminar a Lula, impedindo a sua prisão, até a conclusão da votação do habeas corpus.

E, confesso, embora esteja habituado a esperar o pior de alguns membros do Supremo, não julguei que fosse ver o que vi. A concessão da dita-cuja foi submetida a exame. Por óbvio, o único resultado decente seria um 11 a zero. Pergunta: como é que se pode prender alguém quando a votação de uma habeas corpus já começou e foi adiada e quando o condenado — ou jurisdicionado (no caso, Lula) — não pode responder por esse adiamento?

Infelizmente para a Justiça, para o país e para a história do Supremo, o resultado foi de apenas 6 a 5 em favor da liminar: votaram pela concessão os ministros Rosa Weber, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello. Posicionaram-se contra: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Tudo o mais constante, esse deve ser o placar em favor do habeas corpus. Haverá os mesmos 6 a 5, com os mesmos autores.

É espantoso! Para cinco ministros do STF, quem deve pagar o pato pelo fato de o tribunal adiar uma votação é o jurisdicionado. Edson Fachin, o relator, como se lembram, enviou o caso ao pleno e não cobrava a votação. Ficou enrolando. Cármen Lúcia, como se sabe, fazia de conta que não era com ela e só se mexeu para votar diante de uma ameaça de sublevação dos ministros.

Vocês consideram responsável que se prenda um Zé Mané qualquer, seja ele ex-presidente ou não, quando está em curso a votação de um habeas corpus? Ao votar contra uma liminar como essa, ministros estão preocupados em fazer justiça ou em administrar as respectivas biografias, na melhor das hipóteses?

Que Fachin, Barroso, Fux e Cármen o façam, não me surpreende, deixo claro! Tentam limpar, da pior maneira possível, a sua biografia dos vínculos com o PT, agora que o partido entrou em decadência. Que Alexandre de Moraes tenha integrado esse grupo, bem, revelo, nesse caso, a minha enorme decepção. Ainda mais que ele esteve entre os sete ministros que, acertadamente, consideraram o habeas corpus um instrumento cabível. Se cabível, a ele se pode dizer "sim" ou "não". Como mandar alguém para a cadeia, pouco importa se a pessoa se chama Lula ou J. Pinto Fernandes, antes que se conheça o resultado, dado que a votação já começou?

Coisas como essa deixam no ar a suspeita de que há, sim, hoje, ministros mais interessados em caçar e cassar Lula do que em fazer Justiça.

E isso pode nos custar muito caro no futuro. Hoje é Lula. Amanhã será quem?

Você!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.