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Reinaldo Azevedo

Aécio: voto aberto ou secreto? Em lugar de Moraes, diria que o Senado decide, mas não estou

Reinaldo Azevedo

17/10/2017 01h18

Alexandre de Moraes: ministro decidirá sobre mandado de segurança. Os políticos sempre às portas dos tribunais

Será aberta ou secreta a votação do plenário do Senado que vai decidir se o afastamento do senador Aécio Neves, determinado por três ministros da Primeira Turma do STF, será ou não mantido? Não sei. O meu entendimento da Constituição e do Regimento Interno me diz que deveria ser fechado. Mas posso compreender quem acha sinceramente (desde que seja sinceramente!!!) o contrário — não, é o caso do senador Randolfe Rodrigues (AP), que está na Rede, mas conserva mesmo a alma de PSOL. Falta sinceridade até nisso. Antes de voltar ao ponto, algumas digressões que nos aproximam do assunto. E, bem, acho que o voto será aberto. Mas vamos pensar.

Eu não opino segundo meus amores e meus rancores. Até porque os tenho de sobra no primeiro caso e não me sobra nenhum no segundo. Mas, evidentemente, há as coisas que me agradam e as que não. Há pessoas que são punidas por isso e aquilo e que me causam piedade. E há as que se safam e provocam minha indignação. Em qualquer caso, a minha escolha recai sobre o que diz a lei. Por mais que a defesa do fundamento me custe caro. Eu não penso, não escrevo e não falo para agradar ou desagradar milícias nas redes sociais.

Assim é com o fim do voto secreto. Escrevi a respeito do tema em 2 de setembro de 2011, por exemplo — há seis anos. Também em 3 de julho de 2013. Deixava claro que achava aceitável o fim do voto secreto em alguns casos, mas não em todos. E a razão é simples: num eventual governo forte, autoritário e popular — e já sabemos ser isso possível —, o voto secreto é um instrumento de defesa da democracia e de integridade do Poder Legislativo… Ou o parlamentar ficará exposto à sanha de um Executivo autoritário. Assim, sugeri, em 2013, quando se aprovou uma mudança da Carta, que o voto permanecesse obrigatoriamente secreto no caso de aprovação de autoridades e apreciação de veto presidencial.

Fui parcialmente atendido. O veto presidencial não entrou na lista dos votos obrigatoriamente secretos. Na Constituição, depois da aprovação das Emendas Constitucionais 35 (de 2001) e 76 (de 2013), tal exigência é explícita, no Artigo 52, no caso de indicação de autoridades — como membros do TCU, magistrados de tribunais superiores, procurador-geral da República e dirigentes de agências reguladores e autarquias (Inciso III) —, de chefes de missão diplomática permanente (Inciso IV) e de exoneração de procurador geral antes do fim do mandato (Inciso XI). Havia outras circunstâncias? Havia.

Até a promulgação da Emenda 35, de 20 de setembro de 2001, o Parágrafo 3º do Artigo 53 da Constituição tinha esta redação:
"No caso de flagrante de crime inafiançável, os autos serão remetidos, dentro de vinte e quatro horas, à Casa respectiva, para que, PELO VOTO SECRETO da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão e autorize, ou não, a formação de culpa."

A partir dessa data, a expressão "VOTO SECRETO" foi abolida no texto. Mas notem que não se impõe a obrigatoriedade do voto aberto. O fato de algo não ser exigido não torna impositivo o seu contrário.

Até a Emenda 76, de 28 de novembro de 2013, o Parágrafo 2º do Artigo 55 tinha esta redação:
"Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, POR VOTO SECRETO e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa."

O parágrafo 4º do Artigo 66 estabelecia:
"O veto (presidencial) será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em ESCRUTÍNIO SECRETO.

Aboliram-se, respectivamente, as expressões "POR VOTO SECRETO" e "POR ESCRUTÍNIO SECRETO". E, por óbvio, repita-se: a não exigência de um determinado procedimento não impõe o seu oposto.

Mantém-se ainda o voto secreto para a eleição da Mesa Diretora da Câmara (Artigo 7º do Regimento Interno) e do Senado (Artigo 60). Isso não é matéria constitucional.

As coisas estão claras até aqui? Ocorre que o Regimento Interno do Senado, no seu Artigo 291, estabelece o seguinte:
Art. 291. Será secreta a votação:

I – quando o Senado tiver que deliberar sobre:

  1. a) exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República (Const., art. 52, XI);
  2. b) perda de mandato de Senador, nos casos previstos no art. 55, § 2º, da Constituição;
  3. C) PRISÃO DE SENADOR E AUTORIZAÇÃO DA FORMAÇÃO DE CULPA, NO CASO DE FLAGRANTE DE CRIME

INAFIANÇÁVEL (CONST., ART. 53, § 2º);

  1. d) suspensão das imunidades de Senador durante o estado de sítio (Const., art. 53, § 8º);
  2. e) escolha de autoridades (Const., art. 52, III);

II – nas eleições;

III – por determinação do Plenário.

Vamos ver
A Constituição impõe que o afastamento do senador Aécio Neves seja decidido em voto aberto? Parece-me óbvio que não. ATÉ PORQUE A CONSTITUIÇÃO NEM PODERIA PREVER O TIPO DE VOTAÇÃO PARA UMA PUNIÇÃO QUE FOI INVENTADA PELO SUPREMO, CERTO? A MENOS QUE ME DIGAM ONDE ESTÁ ESCRITO QUE UM SENADOR PODE SER AFASTADO DO MANDATO

Reitero: mesmos nas demais situações, em que a palavra "secreto" desapareceu da Constituição, entender que isso impõe o voto aberto é um barbarismo lógico. De toda sorte, não estando a situação prevista na Constituição, qualquer procedimento terá de ser por aproximação. Entendo que a punição mais próxima prevista na Carta é a pena de prisão. Nesse caso, a expressão "voto secreto" desapareceu, mas não se incluiu "voto aberto". E, para o caso de prisão, o Regimento Interno, como se observa na Alínea C do Artigo 291, prevê VOTAÇÃO SECRETA.

Histórico
Há algum precedente de o Senado votar aceitação ou rejeição de medidas cautelares contra seus integrantes? Não! O que se tem, aí sim, é a deliberação sobre a prisão preventiva de um de seus membros — no caso, Delcídio do Amaral. O então presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), tentou fazer um escrutínio secreto. Um grupo de senadores, integrado por Aécio — os demais eram os também tucanos Ataídes Oliveira (TO) e Cássio Cunha Lima (PB) e os democratas Ronaldo Caiado (GO) e José Agripino Maia — recorreu ao Supremo com um mandado se segurança. O relator foi Edson Fachin. O ministro decidiu que a sessão deveria ser aberta. Escreveu:

"Não havendo menção no art. 53, § 2º, da Constituição à natureza secreta da deliberação ali estabelecida, há de prevalecer o princípio democrático que impõe a indicação nominal do voto dos representantes do povo, entendimento este que foi estabelecido pelo próprio Poder Legislativo, ao aprovar a EC nº 35/2001. Sendo assim, não há liberdade à Casa Legislativa em estabelecer, em seu Regimento, o caráter secreto dessa votação, e, em havendo disposição regimental em sentido contrário, sucumbirá diante do que estatui a Constituição como regra".

Bem, já está claro que não me filio a esse tipo de interpretação. De toda sorte, reitere-se, a prisão é uma situação de que tratam a Carta — sem especificar o tipo de votação — e o Regimento, que fala em voto secreto. Mais uma vez, no entanto, lá está o STF a dizer como devem se comportar os senhores congressistas. Mas quem foi bater à sua porta? Os senhores congressistas!

Randolfe
Desta feita, quem apela ao Supremo, com mandado de segurança preventivo, com pedido de liminar, é o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele quer garantir o voto aberto. Esse rapaz está para os tribunais como as ditas "vivandeiras de 64" estavam para os militares. Aquelas viviam acionando os quartéis; Randolfe, os juízes. O relator de seu pedido é o ministro Alexandre de Moraes.

É claro que estamos diante de matéria de interpretação. Qualquer que seja a decisão do ministro — a concessão ou não da liminar —, e haverá argumentos consistentes. Sim, isso é possível.

Sei o que eu faria: acho que a decisão tem de ser do Senado. Não cabe ao Supremo fazer um controle prévio daquilo que, entendo, não está disciplinado em lugar nenhum. O mais próximo que se tem de tal disciplina é o voto fechado, que consta do Regimento Interno da Casa, para o caso de revogação de prisão, não? Ademais, os defensores da aplicação de medidas cautelares foram muito eloquentes em dizer que estas não se confundem com a prisão, certo? Ainda me lembro do ministro Roberto Barroso a escandir "me-di-das di-ver-sas".

Em algum momento, a gente vai precisar estabelecer a separação entre os Poderes.

Insisto: há amparo para qualquer decisão de Moraes. E a melhor decisão, acho eu, é o ministro não decidir em nome dos senadores, tirando-lhes a responsabilidade de uma escolha ou de outra. Até porque, se negasse a liminar, ele não estaria determinando o voto secreto. Ele estaria dizendo: "Decidam vocês! Isso não é matéria para o Supremo, mormente um mandato de segurança preventivo".

Mas…
Como está lá no título, isso é o que eu faria em lugar do ministro, mas não estou. Sim, reconheça-se: quando Câmara e Senado aprovaram as emendas 35 e 76, não quiseram apenas facultar a possibilidade do voto aberto, mas torná-lo impositivo para os casos em que desapareceu a expressão "voto secreto".

Embora a Constituição nada diga sobre a forma de voto em caso de afastamento (já que isso não existe para a Carta), Moraes abriu a divergência que resultou no voto vencedor, segundo o qual medidas cautelares merecem tratamento análogo à prisão preventiva e, pois, têm de passar pelo plenário da Casa. Em consonância com esse voto, é bem possível, então, que decida segundo aquela que foi a intenção da Emenda 35, de acordo também com a decisão de Fachin sobre o caso Delcídio — vale dizer: voto aberto.

 

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.