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Reinaldo Azevedo

Alerj 3: Caso Aécio tratou de cautelares, não de prisão; falar em anular sessão é piada

Reinaldo Azevedo

18/11/2017 08h55

Imagem de trecho da emenda redigida por Alexandre de Moraes: não há espaço para questionar decisão da Alerj

O Ministério Público Federal afirmou que vai recorrer ao TRF2 para que, Santo Deus!, reveja a decisão da Assembleia. É mesmo? Com base em qual artigo da Constituição? O PSL, por sua vez, anunciou que irá ao Supremo para anular a sessão da Assembleia. Aí já é loucura em último grau.

Os senhores do TFR2 resolveram prender os deputados e afastá-los do mandato? Bem, o próprio MPF admite que agora só vai pedir o afastamento; a prisão, pelo visto, vão deixar pra lá porque sabem ser inconstitucional.  Ocorre que ainda que o tribunal tivesse determinado o afastamento, sem prisão, também tal decisão teria de ser submetida à Assembleia.

Caso Aécio
Ao se trazer o caso Aécio Neves à baila pela porta errada, cria-se uma confusão dos diabos. Por quê? Rodrigo Janot pediu, sim, a prisão do senador, mas até a Primeira Turma do STF recusou. E olhem que ali brilham três heterodoxos compulsivos (Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux) e um eventual (Marco Aurélio). Em lugar da prisão, foram aplicadas as tais medidas cautelares.

Como vocês sabem, e o arquivo está à disposição, eu sempre me opus às próprias cautelares. Há um texto eloquente aqui, do dia 15 de junho de 2017. Há outro do dia 11 de outubro aqui. As tais medidas não estão previstas na Constituição. São uma invenção. Por isso, defendi, desde o primeiro momento, que o Senado simplesmente as revogasse e pronto! E não teria sido afronta nenhuma ao Judiciário, com o que, aliás, concordou à época o ministro Marco Aurélio, que andou a falar estranhezas nesta sexta. Raciocínio elementar: se a Casa pode revogar até prisão em flagrante de crime inafiançável, por que não poderia revogar as cautelares?

E há o absurdo na raiz de tudo: ações cautelares, previstas no Artigo 319 do Código de Processo Penal, são aplicadas em substituição à preventiva, prevista no Artigo 312. É o que reza o Parágrafo 1º do Artigo 283 do Código de Processo Penal. É evidente que haveriam de estar dadas as condições da preventiva para que, então, se aplicassem as sanções que a substituem. Ora, se um parlamentar não pode ser preso pelo Artigo 312, como lhe aplicar o 319?

Defendi, por essa razão, que as medias impostas a Aécio fossem simplesmente revogadas. Mas Cármen Lúcia manobrou para que, antes, se votasse uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que tratava justamente de medidas cautelares a parlamentares, oriunda lá de quando Teori Zavascki afastou Eduardo Cunha do seu mandato.

Os ministros do Supremo, no entanto, deixaram de lado o Parágrafo 1º do Artigo 283 do CPP e decidiram que as cautelares podem ser aplicadas autonomamente; não precisam vir em substituição à preventiva.

Muito bem! O que é que se decidiu por 6 a 5? Transcrevo trecho da emenda redigida pelo ministro Alexandre de Moraes:
1- QUE O TRIBUNAL PODE, SIM, IMPOR MEDIDAS CAUTELARES. TRANSCREVO TRECHO DA EMENTA REDIGIDA POR ALEXANDRE DE MORAES:
"O Poder Judiciário dispõe de competência para impor aos parlamentares, por autoridade própria, as medidas cautelares a que se refere o art. 319 do Código de Processo Penal, seja em substituição de prisão em flagrante delito por crime inafiançável, por constituírem medidas individuais e específicas menos gravosas; seja autonomamente, em circunstancias de excepcional gravidade."

2- QUE A CASA LEGISLATIVA PODE REVOGAR AS CAUTELARES. TRANSCREVO:
"Os autos da prisão em flagrante delito por crime inafiançável ou a decisão judicial de imposição de medidas cautelares que impossibilitem, direta ou indiretamente, o pleno e regular exercício do mandato parlamentar e de suas funções legislativas, serão remetidos dentro de vinte e quatro horas a Casa respectiva, nos termos do § 2º do Artigo 53 da Constituição Federal, para que, pelo voto nominal e aberto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão ou a medida cautelar.
"

3- SOBRE A PRISÃO, NÃO HÁ UMA DECISÃO, MAS UMA REITERAÇÃO, CERTO? TRECHO DA EMENTA:
A imunidade formal prevista constitucionalmente somente permite a prisão de parlamentares em flagrante delito por crime inafiançável, sendo, portanto, incabível aos congressistas, desde a expedição do diploma, a aplicação de qualquer outra espécie de prisão cautelar, inclusive de prisão preventiva prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Numa coluna na Folha de 13 de outubro, escrevi:
Por 6 a 5, depois das adaptações, decidiu o STF que a Justiça pode, sim, aplicar a parlamentares as medidas cautelares do Artigo 319 do Código de Processo Penal, mas tudo o que afeta o mandato deve ser submetido à Casa Legislativa a que pertence o punido por prevenção. Das aberrações, a menor. A confusão, agora, vai se estender a Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

Reitere-se:
1- as prisões e sua revogação nada têm a ver com o caso Aécio; ele não foi preso. O direito de a Casa Legislativa revogar a prisão NÃO NASCE de interpretação e, pois, jurisprudência do Supremo. Está no Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição.

2: o Parágrafo 1º do Artigo 27 da Carta confere aos deputados estaduais garantias idênticas às dos federais; logo, Assembleias podem rever prisões.

3: o que se votou no caso Aécio, como deixa claro a ementa redigida pelo ministro Alexandre de Moraes, cuidou da aplicação de medidas cautelares distintas da prisão. O tribunal decidiu que os parlamentares estão sujeitos às sanções previstas no Artigo 319 do Código de Processo Penal, mas a decisão tem de ser referendada pela Casa Legislativa se afetar o exercício regular do mandato;

4: ora, também nesse caso, é evidente, vige o Parágrafo 1º do Artigo 27 da Constituição; se assim é no caso de cautelares para federais, então assim é no caso de cautelares para estaduais.

Marco Aurélio
O ministro Marco Aurélio, que teve uma posição lúcida naquele caso, parece que está provocando algum ruído agora. Ele votou, originalmente, contra a aplicação de cautelares porque não previstas na Carta. Era rigorosamente a minha opinião. E o mesmo fizeram Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. Os três acabaram adaptando o próprio voto para formar a maioria de seis: cautelares têm de passar pela Casa a que pertence o parlamentar.

Agindo como agiu, o Alerj apenas cumpriu a lei.

"Será, Reinaldo, que o Supremo, se acionado, pode dizer que aquela decisão se restringia a deputados federais e a senadores apenas?"

Só se resolver passar a borracha no Artigo 27 da Constituição.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.