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Reinaldo Azevedo

Artigo de Barroso, do STF, evidencia que ele continua a nada saber sobre direito penal. Apela até a argumento fascistoide

Reinaldo Azevedo

03/02/2018 07h23

Barroso e sua toga atrevida: ele, definitivamente, não vê nada de errado no direito à moda… Barroso

O ministro Luiz Roberto Barroso, do Supremo, escreveu, em parceria com Rogerio Schietti, ministro do Superior Tribunal de Justiça, um artigo sofrível para a Folha em que defende a execução da pena depois da condenação em segunda instância. Opa! Esperem aí! Não é bem assim. Roberto Barroso, em companhia de Schietti, tenta intimidar seus colegas do STF, no que contou, segundo se viu no "Jornal Nacional", com o apoio da TV Globo. Parece que a emissora abraça uma nova causa política, depois da malfadada operação "Fora Temer".

O artigo de Barroso, com imagens do ministro dando passos resolutos e viris, mereceu generosa reportagem… Opa! Não! Corrijo-me de novo: mereceu generosa peroração no Jornal Nacional, com os números em destaque, dando a entender que a espera pelo trânsito em julgado só serve à procrastinação da execução da pena, já que seriam pequenas as chances de mudança de sentença.

A dupla de ministros resolveu provar a sua fraude conceitual e de princípio com números aparentemente inquestionáveis, a saber:
– o percentual de absolvição em todos os recursos julgados pelo STJ no período de dois anos, entre 1/9/2015 e 31/8/2017, foi de menos de 1%: 0,62%;
– 1,02% das decisões importou na substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos;
– a soma dos percentuais de absolvição e de substituição de pena é de 1,64%;
– os demais casos de acolhimento de recursos da defesa envolvem prescrição (0,76%), diminuição de pena (6,51%) e alteração de regime prisional (4,57%).

Ah, Barroso, Barroso… O tal que confessou em livro que não sabia o que fazer com o alvará de soltura do terrorista Cesare Battisti se arvora agora em pensador do direito penal, embora eu desconfie que ele continue hesitante sobre o que fazer com um alvará de soltura.

Lembro de saída que é indecoroso que um ministro do STF faça campanha púbica sobre matéria que será objeto de decisão do tribunal, em pareceria com a maior emissora de televisão do país. "Não vai criticar a Folha, que publicou o artigo?" Não! Se estou no comando do jornal e um ministro do Supremo quer perpetrar uma barbaridade em texto, eu publico. Até para dar conta do estado das artes. O que se viu na Globo, reitero, foi engajamento, sem direito a contraditório. A Folha já publicou opiniões as mais diversas a respeito. A minha inclusive. Mas sigamos.

Barroso está tentando constranger seus colegas, posando de ministro rigoroso com a corrupção, enquanto outros, que pensam de forma diferente, seriam, então, lassos com ela. Mais: o tribunal ainda não enfrentou o mérito da questão. Mas Barroso pretende ganhar no berro.

Estatística e Constituição
Eu não sabia, não até ler o artigo de Barroso, que um "estudo", que resulta em "dados estatísticos", tinha o poder de mudar a Constituição. Que coisa mais exótica! Sugiro, aliás, que os aritméticos mobilizados pelos doutores submetam toda a Carta à sua calculadora. Assim, o povo elegeu os constituintes originários, e estes fizeram um documento. Agora, ele tem de ser submetido ao DEB (Departamento de Estatística do Barrosão). E ponto.

Vejam vocês que coisa formidável: os dados "estatísticos" do ministro fizeram letra morta do seguinte trecho da Carta:
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"

É o inciso LVII do Artigo 5º, uma cláusula pétrea, que não pode ser mudada nem por emenda constitucional. Menos ainda por um "estudo". Os estatísticos do Barroso se tornaram deputados constituintes? Ele próprio se transformou em um? A propósito: o buliçoso professor Hubner Mendes não vai se manifestar a respeito dessa notável prática de mudar uma cláusula pétrea da Carta com continhas de somar?

Dizem-me alguns que o estudo é mais furado do que o constitucionalismo de Barroso. Vou atrás do assunto. Teriam entrado na conta apenas os Recursos Especiais — os apelos propriamente à terceira instância, e ignorados os Habeas Corpus e Recursos Ordinários.  A se confirmar, os números seriam também fraudulentos.

Mas ainda que não fossem verdadeiros…
Mas ainda que verdadeiros fossem. Um trechinho do artigo de Barroso despertou em mim aquele enjoo que sinto diante de todo fascista, seja de esquerda, seja de direita. Lá está escrito, depois da constatação de que seriam mínimas as reformas de sentenças no terceiro grau:

"É ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra".

É claro que Barroso não é um fascista. Mas o argumento é.

Em matéria penal — e é compreensível que alguém que não sabia o que fazer com um alvará de soltura possa derrapar tão feio —, não decide segundo exceção e regra. Em matéria penal, não se abre uma janela para punir um inocente. Se Barroso e Schietti não sabem disso, deveriam pedir demissão, ir fazer outra coisa, longe do direito.

Em qualquer outra área do direito, a estatística pode ser uma ferramenta — e apenas isso — que contribua com o aparato normativo. Quando se está lidando com culpa, com pena, com o destino de um indivíduo, aí não!

Nada como transformar pessoas em estatísticas para pode vender o peixe podre e autoritário. Como? Em dois anos, só 0,62% de absolvições? É mesmo? Quantos sãos os casos? Quantas pessoas, estivesse já em vigência o regime que a dupla defende, teriam cumprido pena, embora inocentes? Ou ainda a estariam cumprindo? Vocês já se deram conta de que, se um inocente cumprir pena, não há o que possa reparar o engano? Afinal, a vítima não terá direito a uma segunda vida.

A argumentação é indecente.

Pior! O texto apela à falácia ao fingir que a Constituição protegeria apenas os condenados por corrupção. Desafio os doutores a demonstrar onde isso está escrito. Trata-se de uma mentira. Ademais, chega a ser realmente comovente ver Roberto Barroso a falar em nome dos coitadinhos, depois de ter endossado a suspensão do indulto, mais uma obra do populismo caipira de Cármen Lúcia.

É estupefaciente que o prosélito "pro bono" de Cesare Battisti venha agora posar de pensador rigoroso em matéria penal.

E pensar que foi justamente Battisti que levou Barroso ao Supremo… Mas essa é matéria para outro post.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.