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Reinaldo Azevedo

As lorpas da direita brasileira ainda não perceberam que prisão de Lula pode ser caminho mais curto da composição Ciro-PT

Reinaldo Azevedo

09/03/2018 04h11

Ciro Gomes fala depois de Executiva do PDT ter decidido que ele será candidato à Presidência

Ainda que pareça estranho dizê-lo; ainda que soe esquisito, quando se sabe que o principal líder esquerdista do país pode ir para a cadeia, a verdade é que a esquerda esta menos fragmentada do que o centro e a direita na disputa presidencial deste ano. E convém ficar atento. Se alguém botasse uma faca no meu pescoço e perguntasse: "Quem você quer na Presidência? Lula ou Ciro?" Não estou certo de que não entregasse a cabeça. Na hipótese de não entregar e não havendo alternativa, diria: "Lula"!

Por quê? Com todos os defeitos que o petista possa ter, e tem, uma coisa não se lhe negue: ele tem noção do que sabe e do que não sabe. Perguntem a Henrique Meirelles quando foi que o então presidente se meteu em política monetária. O Antonio Palocci da primeira fase do primeiro mandato fez quantas "concessões ao mercado" julgou necessárias. E Lula não interferiu.

Ciro está mais para Dilma Rousseff. A sua convicção em determinados assuntos é compatível com a sua ignorância, mas, à diferença dela, ele é um excelente orador. É do tipo que não perde o sujeito da frase principal, pouco importa quantas orações subordinadas e intercaladas vá enfiando no período. Ainda que diga barbaridades, e diz!, a sintaxe está sempre no lugar. Vale dizer: ele é capaz de produzir desordem organizada. E notem: nas pesquisas eleitorais, está no mesmo patamar do tucano Geraldo Alckmin, embora a sua plataforma de voo seja muito menor: o Ceará. O governador é do PT, mas tem as bênçãos da família Gomes. Ciro tem feito palestras quase diárias Brasil afora.

Nesta quinta, enquanto o DEM brincava de lançar Rodrigo Maia à Presidência, a Executiva do PDT batia o martelo. Ciro será o candidato do partido à Presidência. Ele próprio já havia dito que só não concorreria se Lula disputasse pelo PT. Mas todos sabem que o ex-presidente não terá como levar adiante o pleito, e isso independe da prisão.

Mas o que o PT vai fazer do seu futuro depende, sim, do destino de seu líder máximo. Há gente de peso no partido que acha que a situação é grave o bastante para encarar a realidade e aceitar uma composição com Ciro, indicando o vice na sua chapa. Se querem saber, esse é o temor secreto de 9 entre 10 políticos do campo não-esquerdista. Só não é de 10 entre 10 porque Jair Bolsonaro está tão convicto das bobagens que diz que nada abala as suas certezas.

Em entrevista concedida depois da decisão da Executiva de seu partido, Ciro fez uma análise que é, na realidade, o que as pesquisas já mostram. A disputa se afunila em cinco candidatos: Lula e ele próprio no campo mais à esquerda; Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin, no mais à direita, e Marina Silva correndo por fora.

E aí ele acrescentou: "O Bolsonaro está tamponando o Alckmin, e o Lula, tamponando a minha posição". Vai aí a suposição de que, sem Lula, ele deslanche. Depende… O eleitor do ex-presidente migraria para ele, Ciro, ainda que Lula apontasse outro caminho? Quanto a Bolsonaro, bem, ele não vai desistir do pleito, não é?, e, por enquanto, no campo do centro e da centro-direita, o que se tem é uma crescente fragmentação, não o contrário.

Tudo somado e subtraído, dada a fotografia do momento, a esquerda pode estar mais perto do poder do que se percebe à primeira vista. Os orelhudos de direita que torcem pela prisão imediata de Lula não se deram conta de ser esse um evento forte o bastante para levar o PT para uma composição com Ciro. E com as bênçãos do "mártir".

Se isso acontecer e se a esquerda vencer, terá sido, antes de mais nada, uma conquista das lorpas da direita brasileira. Quem vive para alimentar o ódio é incapaz de um pensamento estratégico.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.