Topo

Reinaldo Azevedo

Até Moro admite em seminário em Madri que perguntou a si mesmo se não tinha ido longe demais. Uma resposta à sua angústia: foi, sim!

Reinaldo Azevedo

03/12/2018 15h42

E o político Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça, segue firme no seu papel de paladino da moralidade e de herói sem mácula, agora falando no seminário promovido pela Fundação Internacional para a Liberdade, em Madri, presidida pelo escritor peruano Mario Vargas Llosa, Nobel de Literatura, que mediou a mesa. Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, também estava convidado, mas não compareceu, alegando problema de saúde.

Moro explicou por que decidiu deixar o Judiciário e ocupar um cargo no Executivo. Queria mais poder. Afirmou, informa a Folha:
"Como gostamos de futebol, temos no Brasil uma expressão segundo a qual alguém diz estar cansado de levar bola nas costas. Meu trabalho no Judiciário era relevante, mas tudo aquilo poderia se perder se não impulsionasse reformas maiores, que eu não poderia fazer como juiz."

Afirmou ainda:
"Durante estes quatro anos [de atuação na Lava Jato], me perguntei se não tinha ido longe demais na aplicação da lei, se o sistema político não iria revidar. Esse caso ia chegar ao fim, e era preciso que gerasse mudanças institucionais. Me senti tentado pela possibilidade de fazer algo mais significativo, não pela posição de poder".

O ex-juiz não explicou o que seria "ir longe demais na aplicação da lei". Como as palavras fazem sentido, "ir longe demais" significa o que significa: ignorar a própria lei sob o pretexto de aplicá-la. Como se nota, até ele próprio tem essa desconfiança. E, mais uma vez, fica claro que o agora político Sérgio Moro vê a políticas pelas lentes das desconfiança, com olhos de adversário — menos, claro!, quando se trata de falar de seu chefe, Jair Bolsonaro, em que enxerga um democrata exemplar.

O que ele poderá fazer no Executivo? Vamos ver. Terá a Polícia Federal nas mãos, por exemplo. Será que, no futuro, em algum seminário, na condição de ex-ministro, terá a chance de dizer: "Eu me perguntei se não tinha ido longe demais no uso da polícia…"

Para Moro, o governo Bolsonaro vai endurecer não "contra a democracia, mas contra a grande corrupção, o crime organizado e o violento, que a afetam". Bem, meus caros, estamos por dias. Em menos de um mês, o governo começa, e então veremos, pelas ações, o que significa a retórica do governo Bolsonaro.

Para encerrar: até Moro se perguntou se não tinha ido longe demais… Seu adoradores na imprensa jamais se fizeram essa pergunta, não é mesmo? Com raras exceções, é claro!

Ah, sim, respondo à sua angústia: foi, sim! Mais de uma vez, ignorou a lei sob o pretexto de aplicar a lei.

Mas chegou lá e, hoje, é um dos vice-reis do Brasil.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.