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Reinaldo Azevedo

Até quando o CNJ, o Conselho da Justiça Federal e a OAB vão coonestar linchamentos produzidos por PF e MPF?

Reinaldo Azevedo

06/03/2018 07h56

Depois do que se verificou com a operação Carne Franca em março do ano passado, todo cuidado é pouco. Como já lembrei aqui, o que parecia ser um esquema que tornava imprópria para consumo toda a carne produzida no Brasil, revelou-se um grande fiasco, uma grande trapalhada. Graças a Deus! Há 4.800 postos de processamento de carne no Brasil. Encontraram problemas em três. Agora, as investigações se concentram na BRF. Dado o estardalhaço da operação, a empresa perdeu, em um único dia, R$ 5 bilhões em valor de mercado na Bolsa. O que se chama de "provas robustas", até agora, não passa de testemunhos e de troca de e-mails.

Por mais que, a esta altura, tudo pareça indicar a culpa da empresa — ou de algumas de suas unidades de processamento —, a verdade é que, até agora, o que se tem é uma leitura de documentos que já vem a público com uma narrativa pronta e destinada a condenar a BRF. Mais: ainda que possa ter havido fraude industriada aqui e ali, supor que isso faça parte de uma política da empresa, a ponto de mandar prender um ex-presidente do grupo, bem, vai uma grande e larga diferença.

O que me pergunto é como é que chegamos a esse ponto. E notem que não estou negando que unidades de processamento da BRF possam ter cometido irregularidades. A questão é de proporção. E também é preciso, definitivamente, que nos questionemos todos se é razoável que um delegado da Polícia Federal conceda uma entrevista coletiva e coloque em dúvida, na prática, a qualidade dos produtos saídos de um gigante da produção de alimentos, que chegam a milhões de pessoas, sem que as investigações, na prática, tenham ao menos começado.

É claro que escrever essas coisas vai na contramão do que muita gente quer ouvir. Passamos a alimentar, em particular depois da Lava-Jato, um certo prazer mórbido em considerar o Brasil o país da trapaça — aliás, é esse o nome da operação —, da falcatrua, da sem-vergonhice. Parece que não podemos seguir adiante sem a nossa dose diária de desalento; sem que balancemos a cabeça, desanimados, a dizer: "Esse país não tem mesmo jeito; essa é uma terra de safados!". E, claro, quem a pronuncia imagina que safados são sempre os outros.

No mundo inteiro, empresas estão sujeitas a ter escrutinados os seus padrões. Gigantes já passaram por apertos e tiveram de fazer acordos de leniência e arcar com o peso de multas. É o caso da alemã Siemens, por exemplo, ou da holandesa SBM Offshore, que teve problemas aqui no Brasil e em seu país de origem. Potentados sofreram punições no Japão, na Coreia do Sul, nos Estados Unidos… Mas, por óbvio, não se vê o circo mambembe e virulento que há por aqui.

Reitero! A investigação mal começou. O que se tem são indícios de fraude em laudos, mas as provas ainda precisam ser produzidas. Não é possível que um delegado da Polícia Federal, como faz o senhor Maurício Moscardi, assegure haver "provas robustas" da fraude — o mesmo se dizia há um ano —, atuando, a um só tempo, como órgão que investiga, que oferece a denúncia e que julga — e, como vimos, que também prende, não é?

Até quando o Conselho Nacional de Justiça, presidido pela ministra Cármen Lúcia, acompanhará inerme a esses espetáculos grotescos?

Até quando o Conselho da Justiça Federal vai permitir essa banalização do linchamento moral de pessoas que nem rés são ainda? Integram o órgão cinco ministros do Superior Tribunal de Justiça e um representante de cada um dos cinco Tribunais Regionais Federais.

Até quando a Ordem dos Advogados do Brasil, que não pode funcionar, dadas as suas atribuições e prerrogativas, como um mero órgão sindical de advogados, vai ficar quieta diante de abusos como os que vemos?

Pior: parece evidente que o juiz Andre Wasilewski Duszczak, da 1ª Vara Federal de Ponta Grossa, decidiu chamar futuros investigados de "testemunhas" apenas para poder driblar a decisão do Supremo e decretar a condução coercitiva. Ainda assim, a decisão mal esconde seu viés autoritário e midiático, uma vez que, mesmo no caso de testemunhas, o expediente só se justifica se as pessoas resistirem à intimação.

Assim, a terceira fase da "Carne Fraca", chamada "Trapaça", já nasce trapaceando uma decisão da Corte Maior do país.

Direi mais uma vez e quantas vezes se façam necessárias. Eu não estou negando que haja irregularidades. A questão é saber se elas justificam o barulho e o prejuízo efetivo sofrido pela empresa. R$ 1 bilhão do tombo de R$ 5 bilhões em valor de mercado vão para a conta dos fundos de pensão. Não são os "porcos capitalistas" que estão perdendo, mas os trabalhadores.

Em que democracia do mundo se fazem operações de linchamento público de investigados, sejam pessoas ou empresas? Resposta: em nenhuma! Coisas assim só se verificam em ditaduras e populismos virulentos. Quando a Venezuela ainda existia, Chávez costumava organizar expedições do gênero. E também dava um jeito de driblar a lei — mesmo as do bolivarianismo — para prender, coagir e perseguir.

"Qual a alternativa, Reinaldo? Não investigar nada?" Só um tolo faria uma pergunta como essa. Que a PF continue a fazer as suas operações, com a devida autorização judicial, sem estardalhaço e sem condenações sumárias. Ao fim do dia, sob a supervisão da Justiça, PF e MPF emitiriam um comunicado objetivo, sem juízo de valor, sem antecipação de pena, sobre o ocorrido. E ponto.

O que temos hoje em dia não é transparência, mas condenação sumária e linchamento.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.