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Reinaldo Azevedo

Azeredo está preso, mas a mentira está solta: aquilo a que se chamou ‘mensalão tucano’ não foi embrião do ‘mensalão petista’. É uma farsa!

Reinaldo Azevedo

24/05/2018 07h45

Ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) dentro da delegacia em Belo Horizonte, após ser preso (Foto: Saulo Luiz e Frederico Dávila/TV Globo)

Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas, um homem de posses modestíssimas, está preso. Aplacam-se, assim, algumas fúrias e alguns ânimos. Mas isso não quer dizer que a história esteja bem contada.

A cada vez que leio ou ouço que o dito "mensalão mineiro" ou "mensalão tucano" foi o embrião do "mensalão petista", o meu senso de adequação aos fatos se alevanta. Essa é uma das mentiras que jamais serão contestadas por essas agências que se colocaram como "checadoras" dos fatos. Curiosamente, a nossa língua adaptou do inglês "to check" o verbo "checar", o substantivo "checagem", o algo exótico "checape", mas não o "checador", uma profissão inventada no mercado das ideologias pelos autoproclamados "isentos" como um gato escondido com o rabo de fora… Você pode não ver o resto, mas sabe que lá está um gato. É inconfundível. No Houaiss, não se encontra, mas sim no "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o adjetivo "chequista": é aquele que checa. Mas nem isso faz da pessoa uma checadora. O checador é, em suma, um título nobiliárquico, no terreno da nobiliarquia ideológica, que as pessoas se autoconcedem. E isso só lhes garante um ar de superioridade aristocrática se outros acreditarem.

Antes que acusem: não estou a fazer carga contra "agências checadoras" de informação. Que existam. Talvez a verdade esteja mais bem alimentada com elas do que sem elas. Desde que não se crie espaço para mentiras novas e imunes a checagem. Explico; ao se checarem apenas as versões que são do interesse de um grupo ideológico, mas não de outro; ao se confrontarem versão e realidade segundo o interesse da metafísica influente, cria-se uma nova mentira, certo? A mentira ancorada na narrativa. Afinal, a farsa ideológica pode ser um mosaico de verdades parciais. "Checadas" uma a uma, temos um conjunto de verdades. Postas as coisas em trânsito, eis a mentira consolidada. No mais, meu apoio integral aos "checadores", desde que eles admitam que podem errar. E como erram! Mas ficará para outras tertúlias. Volto ao ponto.

Aquilo a que se chamou "mensalão mineiro" não poderia ser o "embrião", como se diz, do "mensalão petista". A menos que se redefinam os sentidos de "mensalão mineiro", de "mensalão petista" e, sobretudo, agora estamos no terreno da biologia, de "embrião". A palavra vem do grego "émbruon", aquilo que brota. Por derivação, é o organismo que ainda não está maduro, que está nos seus estágios iniciais, mas que já guarda todas as informações do indivíduo adulto. Daí que a justificativa moral do aborto, por exemplo, seja impossível até no terreno na linguagem. Mas também isso fica para outra hora.

Tendo existindo conforme a denúncia, o chamado "mensalão mineiro" foi um esquema de caixa dois que teria alimentado a campanha à reeleição de Eduardo Azeredo em 1998. Recursos derivados de contratos de três estatais mineiras — Cemig, Bemge, que não existe mais, e Copasa — teriam servido a esse propósito. Agências de publicidade de Marcos Valério teriam sido usadas para repassar os recursos. E a isso se chamou "mensalão mineiro" porque, afinal, o mesmo Marcos Valério usou as suas empresas para efetivar pagamentos ilícitos a políticos da base de apoio do primeiro governo Lula.

Que fique claro: tendo acontecido tudo como se diz, não há beleza, poesia ou inocência nem numa coisa nem noutra. Mas elas são distintas. O mensalão consistiu, como o longo julgamento no Supremo deixou claro, num esquema regular de repasse de recursos a parlamentares para manter unida a gigantesca base parlamentar de Lula. ATENÇÃO! Ele existiu e tomou corpo durante o mandato de Lula. Tratava-se de um modo de fazer política, de se relacionar com o Congresso, de usar os recursos públicos para se consolidar no poder. Os pagamentos podem não ter sido mensais, como o apelido dado por Roberto Jefferson sugeria, mas eram regulares.

Convenham: quem olha o petrolão vê, aí sim, que o mensalão petista era o embrião do petrolão. Lá estava o organismo, ainda nas fases iniciais, do que veio a ser um indivíduo adulto ao longo dos governos do PT.

Azeredo não teve como fazer pagamentos à base aliada enquanto estava no mandato; não teve como exercitar o "mensalão" pela simples, óbvia e evidente razão de que perdeu a campanha à reeleição. O mensalão petista não foi um sistema de caixa dois a alimentar campanhas. Reduzi-lo a isso corresponde a rebaixá-lo e a mudar a sua natureza. O que quer que se chame "mensalão mineiro" não era, como ficou evidenciado no "mensalão petista" e no "petrolão", um esquema de financiamento de um projeto de poder, de um jeito de administrar o Estado, de uma forma de entender a política.

Não estou minimizando nada. Também não estou me arrogando o papel de "checador".

De resto, a julgar pela pena aplicada, a gente deveria concluir que um esquema de caixa dois de Minas, com parte dos recursos oriunda de empresas públicas, que não teve sequência porque o candidato não foi reeleito, constituiu coisa bem mais grave do que o mensalão petista ou mesmo o petrolão. A pena de Azeredo, quando se faz a contabilidade geral dos três escândalos, só perde para a de Marcos Valério. O ex-governador foi condenado a 20 anos e um mês de cadeia. A única pena do mensalão petista que ultrapassou essa marca foi a de Valério.

Mais: testemunhos indicando que Azeredo ignorava a lambança foram desconsiderados. A principal "prova" apresentada contra o ex-governador são recibos escancaradamente falsos. Mas e dai? Ele era governador do Estado quando o desvio aconteceu e está na cadeia. Qualquer alteração nessa decisão ficará por conta do STJ. Reitero: mesmo dando-se de barato que tudo aconteceu como está na denúncia, o que se fez em Minas não foi mensalão e não é embrião do esquema montado pelo petismo na vigência do mandato de Lula e Dilma.

E isso é apenas um fato.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.