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Reinaldo Azevedo

Barroso, crisálida do vermelhismo, vira ídolo da direita xucra em pleno voo do ropalócero. É a metamorfose voejante

Reinaldo Azevedo

02/04/2018 16h49

Fenômeno só observável na política exercida em tribunais: a crisálida vermelha vira símbolo da extrema-direita que se quer patriótica depois que os companheiros de esquerda caem em desgraça. E se dedica à causa com a mesma energia. Até o vento mudar ao menos…

Vivemos a era do "em matéria de moralidade, meu pirão primeiro".

Se vocês acham que o que anda por aí está ruim, aguardem para ver caso triunfe no país a vontade de alguns moralistas à moda da casa.

Vejam o caso do ministro Roberto Barroso.

Até agora, ele não respondeu ao que eu chamo "Fenômeno de Rondônia".

O Tribunal de Contas do Estado, um órgão público, contratou uma palestra do ministro por R$ 46.800. O valor já é alto para atividades do gênero. Um homem público cobrar para falar a entes do Estado, à parte o fato de que é ilegal, é também imoral.  Em casos assim, o anfitrião arca com o custo da passagem e da hospedagem.

O doutor negou em conversa com a jornalista Mônica Bergamo o valor da palestra. Afirmou cobrar muito menos. Didi Mocó perguntaria: "Como?"

Ocorre que, já demonstrei aqui, é o que está no "Diário Oficial": R$ 46.800. Já foi emitida a ordem de serviço, para a oficialização do pagamento: R$ 46.800. Publiquei os links e os documentos pertinentes.

E, depois disso, Barroso se calou solenemente.

Parece usar nessas coisas o mesmo método que usa para ler a Constituição e as leis. Os fatos existem, mas ele não dá bola. Há a realidade, e há aquilo que o Iluminado julga ser a realidade. Há o texto legal, e há aquilo que ele considera ser o texto legal.

Depois que sua versão foi solenemente desmentida pelas evidências fáticas as mais inquestionáveis, o doutor, que anda tão loquaz, não disse mais nada. Também a empresa que faz a mediação da palestra, a Supercia, não se manifestou. E calado continua o Tribunal de Costas de Rondônia.

O Inciso IV do Parágrafo Único do Artigo 95 da Constituição proíbe o excelentíssimo juiz de receber grana de órgão público "A QUALQUER TÍTULO OU PRETEXTO".

É o que esta escrito lá.

Mas o doutor não dá bola para o que está escrito lá.

Leio, aliás, o seguinte na coluna de Bergamo:
"O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), participa de debate e lançamento do livro 'A Razão e o Voto: Diálogos Constitucionais com Luís Roberto Barroso' nesta segunda. A obra, coordenada pelos professores Oscar Vilhena Vieira e Rubens Glezer, da FGV Direito SP, se baseia em um texto do magistrado sobre o papel constitucional do judiciário."

Ah, esse eu também vou ler.

Deve haver alguma RAZÃO para o Código Penal excluir a hipótese de crime em aborto só no caso de risco de morte da mãe e de gravidez decorrente de estupro e para o ministro decidir em favor da descriminação da prática até o terceiro mês de gestação num simples VOTO de habeas corpus.

Deve haver alguma RAZÃO para a Constituição não estabelecer veto nenhum para o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas e para o ministro, em VOTO, considerá-la inconstitucional.

Deve haver alguma RAZÃO para o constituinte originário ter tratado do foro por prerrogativa de função em vários artigos da Constituição e para o ministro, em VOTO de mera questão de ordem, resolver se comportar como legislador, mudando o sentido do texto constitucional.

Roberto Barroso é o Raul Seixas da Constituição. Ele prefere ser "essa metamorfose ambulante" a ter "aquela velha opinião formada sobre tudo". Com todo respeito ao Raulzito.

E de tal ordem o homem se metamorfoseia que a crisálida do esquerdismo-vermelhismo — e, por isso, foi posto lá — resolveu ser agora, já em pleno voo do ropalócero, se transformar em ídolo da direita xucra.

Por enquanto, a herança maior que Barroso nos deixa em matéria de direito e respeito aos direitos humanos é Césare Battisti.

Ah, sim: havendo uma explicação para o caso do TCE de Rondônia, eu a publicarei aqui. Quem sabe ele resolva doar o polpudo cachê para algum lar de criancinhas pobres…

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.