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Reinaldo Azevedo

Câmara fatia fundo de eleição, que fica sem valor definido, e distritão; serão votos separados

Reinaldo Azevedo

24/08/2017 08h29

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), bem que tentou votar nesta quinta a PEC da reforma política que trata do fundo de financiamento de campanha e do modelo de voto. Teve de encerrar de novo a sessão, adiando a coisa pela terceira vez. Por quê? Risco de desastre. Caso não se consigam os 308 votos necessários, adeus, reforma!

Os deputados, no entanto, deram um passo: aprovaram uma emenda ao texto que suprime o valor do chamado Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que prevê 0,5% da receita corrente líquida, o que daria, hoje, R$ 3,6 bilhões. A população não engoliu o troço. A versão que se espalha, meio burralda, é a de que os políticos vão enfiar, de novo!, a mão no bolso do povo. "Num país sem hospitais, vão dar dinheiro para e eleição?", grita-se.

Bem, meus caros, responder o quê? É o que sobrou desde que STF, em 2015, estupidamente, por 8 a 3, declarou inconstitucional a doação de empresas. Não há milagre nessas coisas: ou a doação é privada (de pessoas jurídicas e de pessoas físicas; estas podem doar, com limites) ou é pública, Vem, sim, dos cofres. A alternativa, como escrevi aqui, é deixar a coisa entregue ao crime organizado e a seitas religiosas, que mexem com dinheiro vivo.

Ocorre que os nossos parlamentares decidem hoje sob o signo do medo. Temem, em particular, as milícias de opinião nas redes sociais. Nesta quarta, houve-se por bem, então, eliminar o valor, que alguns consideram alto. Também não se especifica a fonte do dinheiro. Como estava, a origem era mesmo o Orçamento. Assim, vai-se tentar aprovar o fundo. E, depois, se definirá então o valor e a origem do fundo. Aprovaram a emenda que mudou o teto 441 deputados. É uma indicação que haverá os 308 votos. Depois, será preciso enfrentar a batalha no Senado. Líderes experientes dizem que, como estava, o texto não conseguiria os 49 votos.

Também se tomou uma outra decisão. A votação do modelo de representação, a implementação do tal distritão, será independente do fundo. Como as duas questões tramitavam juntas, os que se opõem a uma coisa ou a outra, não necessariamente às duas, somavam forças. Esse fatiamento contou com 241 votos. E isso pode ser um indicador de que os defensores do distritão — elegem-se nos Estados os deputados mais votados e ponto final — não conseguirão emplacar o modelo.

E o que vem no lugar? Fala-se de um tal distritão misto que, até agora, ninguém entendeu direito como funcionaria. O eleitor teria o direito de votar no candidato ou no partido. Os votos partidários seriam redistribuídos depois entre os candidatos. Segundo qual critério? Nem o diabo sabe. Parece-me um bom exemplo do que seria um cruzamento malsucedido da vaca com o jumento. O híbrido nem dá leite nem puxa carroça.

O mais provável é que, para 2018, permaneça então o modelo atual. E, meus caros, com fundo público, é garantia de confusão na certa. Pergunta óbvia: como seria distribuído dinheiro do tal fundo? O distritão é um absurdo, sim, mas ele concorre para a diminuição do número de candidatos, uma vez que não interessa ter aquela multidão de gente que recebe uns votinhos, mas não será eleita de jeito nenhum. No proporcional, a soma dessa gente toda faz diferença porque interfere na quantidade de votos da legenda e no número de cadeiras que terá.

A verdade é que essa confusão é consequência daquela aberração havida em 2015, quando o Supremo declarou inconstitucional o financiamento de campanha por empresas. Há uma proposta no Senado que restabelece essa modalidade de financiamento, mas isso dificilmente seria aprovado agora. Mais uma vez, o que fala é mesmo o medo. Os parlamentares não querem ser vistos como aqueles que pegam recursos de pessoas jurídicas para compensá-las depois com favores. E esse é um desfavor que a Lava Jato nos fez.

Sim, avançou-se um tantinho ontem. A proposta que veio do Senado que proíbe as coligações em eleições proporcionais — para deputados — e que cria a cláusula de barreira, estabelecendo um desempenho mínimo para que os partidos tenham acesso a fundo partidário e a uma estrutura de funcionamento no Congresso, foi aprovada na comissão especial.

Mandato de 10 anos
Finalmente, note-se que os deputados acabaram com uma outra besteira que estava no texto redigido pelo petista Vicente Cândido: o que estabelecia mandatos de 10 anos para ministros de tribunais superiores e Tribunal de Contas da União. Hoje, eles são obrigados a se aposentar apenas aos 75 anos.

E por que isso não interessa? Porque correria o risco de levar instabilidade à democracia, não o contrário. Um tribunal se faz também de memória, de jurisprudência, de estabilidade na sua própria formação. Sim, o Judiciário brasileiro tem sido, vamos dizer, ativista demais, tomando, muitas vezes, decisões que cabem ao Congresso. Mas não é assim que se vai corrigir a questão.

Quanto ao mais, vamos ver. A pior coisa que pode acontecer ao país, reitero, é ficar tudo como está. Seria um jeito de andar para trás. Quanto a 2022, parece certo que vem mesmo o voto distrital misto. Bem, ao menos isso. Já é um alento.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.