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Reinaldo Azevedo

Cavalo de Troia 2: STF retoma na 5ª votação sobre foro especial; uma das más artes de Barrosão

Reinaldo Azevedo

22/11/2017 16h50

Cármen Lúcia: presidente do STF não fez defesa da Casa que comanda e ainda cometeu a descortesia de antecipar voto. Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

Muito bem. Se você leu o post anterior, sabe que o ministro Roberto Barroso é o grande entusiasta e praticante do STF legislador: união civil gay, aborto, medidas cautelares para parlamentares, cotas raciais, fim do financiamento público de campanha etc. Sua mais recente cruzada volta ao plenário nesta quinta, com apoio quase unânime da imprensa. Há até jornalistas gravando vídeos em WhatsApp em defesa da proposta. No domingo, o Fantástico levou ao ar uma reportagem sobre o tema com a maior quantidade de mistificações, erros e omissões que uma única reportagem foi capaz de concentrar. A que me refiro? À redução, por meio de um truque judicial, do foro especial por prerrogativa de função.

Vamos lá: ao julgar um caso em particular, a exemplo do que fizera com o aborto, Barroso resolveu usar uma Questão de Ordem na Ação Penal 37 para simplesmente legislar sobre o foro especial por prerrogativa de função. A matéria está disciplinada nos Artigos 29, 102, 105, 96 e 108 da Constituição. E daí? O doutor quer resolver tudo numa pernada só. E, ora vejam, seu alvo praticamente exclusivo são deputados e senadores. Sua fórmula é esta:
– que o foro esteja limitado aos atos praticados quando do exercício do mandato e em razão do exercício do mandato;
– processo que começou numa determinada instância nela prossegue, independentemente do cargo ocupado pelo réu, se a fase de produção de provas já estiver concluída.

Parece bom? Parece bacana? Bem, a chance de confusão é gigantesca. Não resolve nenhum dos problemas em curso e ainda traz novos, derivados dos conflitos de competência.

Digamos que o Indivíduo X seja réu numa ação quer corre em primeira instância. Eleito deputado federal, segundo as regras atuais, tal ação passaria para o STF. Nota à parte: se ali prosseguir, é bom lembrar, o Sr. X terá direito a um único julgamento. Sigamos.

Vamos ao modelo Barroso. O Sr. X, processado em primeira instância, se elege deputado federal, mas o tal processo não migra para o Supremo. Condenado, o juiz de primeiro grau, que pertence à Escolinha do Professor Moro, decide decretar sua prisão preventiva. Segundo o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição, parlamentares federais só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável. Vai valer o quê? Teremos de inventar uma Lei Mandraque? "Prisões determinadas pela primeira e segunda instância não poderão ser executadas enquanto durar o mandato etc?"

Condenado em primeira instância, o Sr. X recorrerá à segunda. Confirmada a condenação, irá para a Terceira. Confirmada a sentença, ele, então, perde o mandato. Venham cá: Barroso tem certeza de que essa tramitação, da primeira à ultima instância, com todos os recursos que há no percurso, é mais célere do que a tramitação no foro especial? Será que a cantada em prosa em verso celeridade da 13º Vara Federal de Curitiba, do juiz Sérgio Moro, é o padrão da Justiça brasileira?

Mais: deixar os senhores deputados e senadores ao escrutínio dos juízes de primeira instância, federais e estaduais — uns 17 mil… — é mesmo garantia de justiça? Dado o padrão, digamos, coronelista vigente em vastas áreas das solidões morais brasileiras, não se abrem as portas do compadrio? Pensem em alguns nomes da nossa chamada "elite tradicional". Onde encontrariam mais facilidade para fazer valer a sua influência? No Supremo ou no TRF ou TJ de seu respectivo Estado?

O fim do foro é o mais vistoso ouro dos tolos.

Quanto à proposta de Barroso, que chegou ao STF no dia 1º de junho já escrevi  a respeito. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista, mas não sem fazer, então, a defesa institucional do Supremo Tribunal Federal, acusado, de forma injusta, como Casa da impunidade. Disse o ministro:
"A afirmação de que o foro no STF acaba gerando impunidade não só não tem respaldo estatístico como acaba por ofender e desonrar a própria história do Supremo (…). Não há uma instância mais eficaz do que a outra. O que há é um Poder Judiciário querendo colaborar no combate à corrupção no país."

Está coberto de razão! Números que circulam por aí são fajutos. Fosse como querem alguns, o Brasil seria um paraíso da justiça, não é mesmo?, já que a esmagadora maioria da população não tem foro especial. Você se atreveria a endossar essa ideia, leitor amigo? Você se atreveria a dizer que a Justiça de primeira instância é, no geral, justa e eficaz?

Nesta quinta, Moraes apresentará seu voto. Vamos ver. Talvez tente moderar a solução Barroso, embora isso tudo possa ser inútil.

Antecipando votos
Dado o pedido de vista, eis que três ministros, num gesto absurdo de descortesia com o colega, de afronta ao outro, de rixa pura e simples, resolveram antecipar seus respectivos votos: Marco Aurélio, Rosa Weber e Cármen Lúcia. E ficaram com Barroso, totalizando, então, quatro em favor da tese exótica do doutor.

Do trio, só um comportamento é mesmo inaceitável: o de Cármen Lúcia!  Diria ser vergonhoso. Explico.

Marco Aurélio, o "causão" de sempre, afirmou:
 "Se digo que a competência é funcional, a fixação, sob o ângulo definitivo, ocorre considerado o cargo ocupado quando da prática delituosa, quando do crime, e aí, evidentemente, há de haver o nexo de causalidade, consideradas as atribuições do cargo e o desvio verificado".

Eis aí: seria uma consideração excelente para um deputado que estivesse apresentando uma emenda constitucional.

Rosa Weber — e não estou certo de que entendesse direito o que se debatia — tentou ser profunda:
"O instituto do foro especial, pelo qual não tenho a menor simpatia, mas que se encontra albergado na nossa Constituição, só encontra razão de ser na proteção à dignidade do cargo, e não à pessoa que o titulariza".

A fala é boba e não serve para nada. Quando se estabelece o foro especial, tenta-se proteger o cargo, sim, mas só é possível, no caso, protegendo a pessoia. Mas entendo Rosa: não deve ser fácil para ela.

Cármen Lúcia, no entanto, é imperdoável. Assistiu inerme aos ataques que Barroso, em seu voto, fez ao Supremo — sim, ele tratou o tribunal como uma espécie de símbolo da impunidade, o que é falso — e nem mesmo se ocupou de contestar a corrente orquestrada para difamar a Corte Maior do país. E a meritíssima tem esse papel institucional.

Pior do que isso: ela mesma, embora presidente do tribunal, resolveu antecipar a sua posição, apelando a uma retórica, vênia máxima, hipocritamente igualitarista. Afirmou a "çábia":
"O Brasil é uma República na esteira da qual a igualdade não é opção, é uma imposição (…) Essa desigualação que é feita para a fixação de competência dos tribunais, e, portanto, de definição de foro, se dá em razão de circunstâncias muito específicas. Portanto, no exercício daqueles cargos é que se cometem as práticas que eventualmente podem ser objeto de processamento e julgamento pelo Supremo e pelos órgãos judiciais competentes".

Dizer o quê? Os três ministros deveriam renunciar a seus respectivos mandatos e se candidatar. Se uma presidente do Supremo assiste muda a um ataque ao tribunal; se ignora que a questão de foro só pode ser tratada pelo Congresso; se aproveita a oportunidade para fazer proselitismo político e ainda tentar desmoralizar um colega…, trata-se, convenham, de uma postura política.

E é a barafunda política que ameaça engolfar o país. E, desta feita, o Congresso reagiu à altura do ataque sofrido, como vocês verão no post seguinte.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.