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Reinaldo Azevedo

Ciro, militares, ‘cadelas no cio’, ‘jumento de carga’, Brecht e o show de desinformação. Ou: os jumentos que não leem nem carregam livros

Reinaldo Azevedo

12/09/2018 16h52

O seguinte texto publicado no Globo está dando o que falar. Leiam. Volto em seguida.

O candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, afirmou nesta quarta-feira, durante sabatina promovida pelos jornais O GLOBO, Valor Econômico e a revista Época, que os militares não terão participação política em seu governo, caso seja eleito. Ele também criticou Jair Bolsonaro, do PSL, e seu vice, o General Mourão, a quem chamou de 'jumento de carga'.

Segundo Ciro, seu projeto de país "não existe sem Forças Armadas fortes", mas o candidato evocou a Constituição para criticar, de forma dura, a intromissão de líderes militares da ativa na vida política nacional:

"Sob ordem da Constituição, eu mando e eles obedecem. Quero as Forças Armadas modernas, poderosas, mas militar não fala em política no meu governo"  , afirmou.

Ao falar sobre declarações do general Villas Boas, comandante do Exército, que questionou a legitimidade do futuro governo, Ciro disse que, se fosse presidente, e da República, o militar sofreria consequências:

"Estaria demitido e provavelmente pegaria uma 'cana'. Mas deixa eu explicar. Ele está fazendo isso para tentar calar a voz das 'cadelas no cio' que embaixo dele estão se animando com essa barulheira. É esse lado fascista da sociedade brasileira", afirmou Ciro, subindo o tom das críticas também ao vice na chapa de Jair Bolsonaro:

"Esse general Mourão, que é um jumento de carga, tem uma entrada no Exército e agora se considera tutor da nação. Os brasileiros têm que deixar muito claro que quem manda no país é o povo", disse.

O candidato do PDT seguiu um discurso já adotado por Geraldo Alckmin (PSDB) de que os seis primeiros meses de governo são fundamentais para implementar medidas significativas.

"Todos os presidentes se elegeram com minoria no Congresso e tiveram poderes imperiais nos seis primeiros meses. Portanto, o tempo da reforma são os seis primeiros meses. Manter a energia política viva, chamar empresários, trabalhadores, não quebrar contratos, achar o consenso", enumerou Ciro.

Comento
Mourão respondeu à fala de Ciro afirmando que ele é despreparado e está desesperado.

Agora vamos entender a coisa. Pela ordem:
1: a entrevista do general Eduardo Villas Bôas, em que põe em dúvida a legitimidade do presidente a ser eleito, qualquer que seja, é realmente imprópria e desastrosa;

2: Ciro tem razão quando diz que o general está fazendo isso para tentar acalmar vozes mais radicais das próprias Forças Armadas, que discutem, intramuros, uma eventual intervenção;

3: Não custa notar que, na aludida entrevista, Villas Boas descarta qualquer intervenção militar;

4: falar em prisão é um exagero que não é estranha à retórica hiperbólica de Ciro — afinal, não há incitamento à indisciplina. Num governo que eu presidisse, comandante do Exército também não falaria sobre política;

5: candidatos lidam com hipóteses e situações ideais; presidentes, com a realidade: acho que a demissão se imporia desde que houvesse uma solução. Se a emenda fosse ficar pior do que o soneto, demissão não aconteceria;

6: Ciro não está chamando ninguém de "cadela". Está fazendo uma citação. O dramaturgo alemão Bertolt Brecht é autor da frase: "A cadela do fascismo está sempre no cio". Fazer uma citação sem dar a referência é um problema.

7: "Jumento de carga" é uma ofensa, mas não no sentido em que a expressão está sendo tomada. Numa empreitada, o "jumento de carga" — ou a besta de carga — é aquele que arca com a parte mais difícil porque leva os suprimentos. Chamo a atenção para o fato de que o candidato do PDT coloca Mourão como alguém instrumentalizado por uma mentalidade maior e mais abrangente do que a sua. Ou por outra: Ciro não está criticando os dotes intelectuais do vice de Bolsonaro.

Ao dizer que o general se comporta como tutor, alude a uma entrevista concedida por Mourão em que ele flerta com a hipótese de as Forças Armadas atuarem no processo político, ainda que sem a solicitação de um dos Três Poderes, como está no Artigo 142 da Constituição. Aliás, o que vai lá é explícito: as Forças Armadas garantem os Poderes Constitucionais, não os substituem.

Só um idiota diria que estou tentando minimizar o que disse Ciro. Eu estou explicando a gravidade política do tema, em vez de relegar o assunto à conversa de marocas ou à briga de rua.

Não aprovo as metáforas a que recorre Ciro no debate político. Mais crispam do que esclarecer. Até porque, como se vê, mesmo a imprensa profissional pode escorregar na jumentice. Mas, se for o caso, que seja criticado por aquilo que disse.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.