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Reinaldo Azevedo

Deputados e senadores respondem por menos de 1% do foro especial; juízes e MP, por mais de 50%. Wesley Safadão chega até a ficar mudo!

Reinaldo Azevedo

02/05/2018 07h57

Velho hábito: não me refiro, na pintura de Debret, apenas ao xixi na rua. Mas também aos fidalgos que julgam poder fazê-lo na sombra, protegidos pelos sem-proteção

O STF pode encerrar hoje a votação sobre o fim do foro especial para deputados e senadores para crimes cometidos antes do exercício do mandato ou que não guardem conexão com o dito-cujo. Tomara que ninguém peça vista. É o único jeito de fazer esse Congresso ou o próximo acordar para cuspir no que respeita a esse particular. Que o foro acabe para todo mundo. E aí a gente vê no que dá. O tal foro, que alguns chamam "privilegiado", alcança perto de 60 mil pessoas. Nos dias que correm, as pessoas se acostumaram a achar que a morada da Justiça e do combate aos privilégios são os juízes e os membros do Ministério Público, certo? Pois é. Do total de quase 60 mil, mais de 32 mil — e há quem aponte quase 35 mil — pertencem a essas duas categorias. Deputados e senadores constituem menos de 1% do total.

Sim, estão entre os que contam com foro especial os 594 parlamentares federais (513 deputados e 81 senadores), o presidente e vice da República, os ministros de Estado, o procurador-geral da República, os comandantes das Forças Armadas, os membros de tribunais superiores e do TCU e os chefes de missões diplomáticas permanentes. Esses todos são originariamente processados pelo STF mesmo nos crimes comuns, segundo dispõe o Artigo 102 da Constituição. Nota: o Artigo 86, no Parágrafo 4º, impede que o presidente da República seja investigado, no curso do mandato, por atos anteriormente praticados. Observe-se que a Procuradoria-Geral da República e os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso se uniram para cassar de Michel Temer essa garantia. Sigamos.

O Artigo 29, no Inciso X, garante que 5.570 prefeitos sejam processados e julgados pelos Tribunais de Justiça, onde também têm foro os perto de 16 mil juízes estaduais e do Distrito Federal, exceção feita a desembargadores, e os membros do Ministério Público Estadual, os promotores.

Têm foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo o Artigo 105, os 27 governadores, os desembargadores dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, os membros de tribunais de contas dos Estados e dos Municípios e, claro!, os integrantes do Ministério Público da União, grupo em que se encontram os procuradores da República. Já o Artigo 108 garante como foro os Tribunais Regionais Federais aos juízes federais, da Justiça Militar e do Trabalho.

É evidente que há abuso. Algumas Constituições Estaduais se encarregam de garantir a instância especial a vereadores, como é o caso da do Rio e da do Piauí. Outras asseguram o dito-cujo para delegados de polícia, comandantes da PM, defensores públicos, vice-prefeitos etc. a carta estadual mais pródiga nesse particular é a do Piauí, com 13 categorias, seguida pelas de Rio e Maranhão, com 11. Essas licenciosidades é que fazem o numero encostar em 60 mil.

Voltemos ao ponto. Associações de juízes e entidades ligadas ao Ministério Público não querem nem ouvir falar no fim do foro para juízes — que eram 18.011 no fim de 2016, segundo números do Conselho Nacional de Justiça, e para os estimados 14 mil membros do MP estadual e da União. As duas categorias respondem por mais da metade do que elas próprias chamam "privilegiados".

Assim, que a Câmara aprove, então, a proposta que lá está. Ela praticamente restringe o foro especial aos respectivos chefes dos Três Poderes e procurador-geral da República. Será uma quizomba dos diabos. Haverá juiz de primeira instância estadual mandando prender ministro do Estado ou convocando membro do STF para depor. O que não faz sentido é transformar menos de 1% do total de pessoas com foro — deputados e senadores — nas Genis do Brasil. E os outros 99%?

E olhem que nem dá para cantar Wesley Safadão: "99% anjo, perfeito/ Mas aquele 1% é vagabundo".

Porque, de fato, há muita gente naquele menos de 1% de congressistas que não é vagabunda. E, com absoluta certeza, entre os 99% de juízes e membros do MP, há uma carência de anjos.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.