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Reinaldo Azevedo

Dessem ao diabo a tarefa de criar um cenário eleitoral, e ele não faria pior do que Janot e MPF

Reinaldo Azevedo

01/10/2017 18h25

Vejam os números da pesquisa do Datafolha para a Presidência da República. Não há mais dúvida sobre as consequências da obra do Ministério Público Federal, da Lava Janto em especial e, muito particularmente, de Rodrigo Janot. Ao igualar a todos na pia batismal da corrupção, ressuscitaram Luiz Inácio Lula da Silva como opção viável para 2018. Pior: como já adverti aqui, a partir de agora, quanto mais baterem em Lula, mais ele cresce.

Repetiu-se a maldição ancestral do moralismo, constituído dos miasmas que emanam do túmulo da moral: seus próceres começam a sua saga perseguindo, de fato, criminosos e, se deixados à vontade, sem freios, chegam ao fascismo, enforcando em praça pública mesmo os honestos que eventualmente não reconhecerem a sua santidade. Nesse sentido, Janot até nos prestou um serviço involuntário: ao levar adiante a obsessão de derrubar Michel Temer, fez um acordo indecoroso com Joesley Batista e ajudou a trazer à luz os porões criminosos em que MPF e PGR estavam atuando. Os efeitos de seu trabalho de devastação, no entanto, estão aí. Falemos um pouco dos números.

Se a eleição fosse hoje, Lula chegaria à frente, e com folga, no primeiro turno e venceria todos os seus potenciais adversários no segundo. Lembram-se de Sérgio Moro, o santo do centro-sul mais ou menos endinheirado? Num hipotético enfrentamento com o petista, haveria empate técnico entre ambos, com o juiz numericamente à frente por apenas dois pontos: 44% a 42%, mesmo resultado de junho. A margem de erro é de dois pontos para mais ou para menos.

As situações simuladas desta vez não são idênticas às de junho, mas dá, sim, para constatar o avanço do petista. Há três meses, quando ele tinha como adversários Marina Silva (Rede), Jair Bolsonaro (PSC), e João Doria (PSDB), chegava a 30% dos votos. Desta feita, está com 36%. Bolsonaro variou de 15% para 16%; Marina, de 15% para 14%, e Doria, de 8% para 9%. Trocando-se o candidato tucano por Geraldo Alckmin, que marca os mesmos 8% de antes, o petista fica com 35% (na anterior, 30%). O teto dos tucanos era de 10% em simulações anteriores. E se manteve.

Verifica-se, também uma tendência de crescimento de Lula no segundo turno. Em junho, venceria o confronto com Doria por 45% a 34%; neste mês, 48% a 32%. Contra Alckmin, ligeira variação numérica: passa de 45% para 46%; o tucano mantém os mesmos 32%. O petista empatava com Marina em 40%; agora, ele a venceria por 44% a 36%. Contra Bolsonaro, variação de um ponto percentual na diferença em favor do ex-presidente: 45% a 32% antes; 47% a 33% agora. Esses números são coerentes com o que se verifica na rejeição. Sim, a de Lula caiu: em junho, era de 46%; agora, está em 42%.

Como explicar?
Há muita coisa ainda a considerar sobre a pesquisa. Chegaremos lá. Dificilmente será Lula o candidato do PT. O mais provável é que seu recurso seja julgado pelo TRF4 antes das eleições. Os próprios petistas consideram remota a hipótese de absolvição. Estou entre os que avaliam que a eventual vitória de Lula poderia ser muito ruim para o país. Nestes tempos de Lava Jato, o discurso do partido se deslocou para a esquerda, tornando-se reativo e ressentido. Por temperamento e estratégia, o chefão petista poderia até investir na conciliação, mas as milícias partidárias iriam querer guerra — e o provável é que encontrassem do outro lado os dispostos ao confronto.

Mas não comemorem o fato de que deve ficar fora da eleição aquele que chega a ter 36% da preferência do eleitorado no primeiro turno e que bate, com folga, todos os seus oponentes diretos no segundo. Tomando como base 144 milhões de eleitores, até 51,84 milhões votariam nele de saída; contra seus adversários, até 69,12 milhões poderiam fazer essa opção. Sem Lula, o petista Fernando Haddad consegue 2% ou 3% dos votos apenas, mas nada menos de 26% dizem que votariam, com certeza, num candidato apoiado pelo ex-presidente. É bem verdade que, em 2014, esse índice era de 37%. Sim, foi o ano em que Dilma venceu a reeleição, e a Lava Jato ainda não existia. Esses 26% representam uma massa de 37,44 milhões.

A ser verdade que 26% votariam com certeza no candidato de Lula, ainda que não participe diretamente do pleito, ele será um de seus protagonistas. E poderá ser ainda mais perigoso se estiver na cadeia ou, sei lá, impedido de sair de casa, em prisão domiciliar. Já escrevi aqui tantas vezes: nada mais abala a sua reputação. Se a condenação, decidida por Sérgio Moro, e a carta-demolição de Palocci não lhe arrancaram um só voto — cresceu depois desses eventos —, o que poderia fazê-lo? Notem: esses 26% poriam esse hipotético candidato em primeiro lugar.

Alguém duvida da centralidade do PT no esquema conhecido como "petrolão"? Nos 13 anos em que o partido ficou no poder, alguém conseguiu rivalizar com ele no controle dos órgãos de Estado? Se estava mesmo em curso aquela engenharia criminosa acusada pelos empreiteiros, que legenda dava as cartas, ainda que outras pudessem ser beneficiárias da roubalheira?

Quando o MPF, Janot e seus menudos assanhados igualam a todos na bacia das almas caídas da corrupção, os setores médios da sociedade — com mais acesso ao berreiro das redes sociais, menos dependentes de programas assistenciais e mais sensíveis à virulência do discurso moralista — se descolam dos partidos e líderes que antes se opunham ao PT, que também sofre prejuízos imensos, sim, mas com uma diferença: tem um eleitorado cativo que aos outros falta.

O meritório trabalho de combate à corrupção da Lava Jato deixou-se contaminar por um projeto de poder de uma parte da burocracia estatal, perdeu-se em ações escancaradamente ilegais e devastou a classe política, conduzindo amplos setores da sociedade à descrença ou à radicalização. Ao mesmo tempo, essa gente, que se expressa com tanta eloquência no bueiro do capeta em que se transformaram as redes sociais, muito pouco fala ao coração e às dificuldades dos mais pobres.

Eis a obra desses salvacionistas de meia-tigela. Caminhamos para uma disputa eleitoral de resultado absolutamente incerto; acumulamos um impressionante estoque de ilegalidades nesse tempo, que outros tentarão reproduzir adiante, e o único líder que sobreviveu, ainda que vá para a cadeia, é Lula.

Entregassem ao diabo a tarefa de desenhar um cenário pior, e ele não faria melhor.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.