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Reinaldo Azevedo

Diversidade das Seleções da França e da Bélgica não é metáfora ou metonímia da integração, mas é alento na era da intolerância by Trump

Reinaldo Azevedo

16/07/2018 07h25

O cracaço Mbappé beija a taça. Pai camoronês, mãe argelina, tornou-se o grande astro da Seleção da França

Caras e caros, estou de volta depois de duas semanas de férias. Retorno ao trabalho um dia depois do triunfo dos franceses na 21ª Copa do Mundo.  O número que acompanha o Campeonato Mundial de Futebol FIFA é importante. Isso quer dizer que o selecionado brasileiro venceu nada menos de 23,8% dos torneios — 25% até a Copa passada ou 28,5% se tivéssemos triunfado na Rússia. Ninguém realizou até agora tal façanha. Isso explica por que somos considerados uma potência nas tais quatro linhas. Assisti a boa parte das disputas justamente na França. E vi o povo daquele país torcer com entusiasmo pelo triunfo do que está sendo chamado por aí de "Seleção dos Africanos", o que não deixa de traduzir parte das aflições destes tempos. E, nessas aflições, há também a boa resposta.

"Liberté, égalité, Mbappé" foi o meme que se espalhou mundo afora neste domingo, fazendo justiça à jovem estrela de 19 anos, filho de um camaronês e de uma argelina, nascido na Comuna de Bondy, a 10,9 Km da Paris de cartão postal. É um dos arrabaldes, ou "banlieus", que concentram os imigrantes das antigas colônias francesas na África. E também muitos brancos pobres, cuja história familiar finca raízes no país há muitos séculos. Aliás, note-se: numa das cidades com o metro quadrado mais caro do mundo, não é preciso ser um excluído para ter de morar longe. A Cidade-Luz que o turista vê esconde tensões que não se veem logo de cara. Mas que estão lá, como em toda parte.

Dos 23 convocados pelo técnico Didier Deschamps — que integrou, como jogador, a equipe que levantou a taça em 1998, pela primeira vez — 11 outros, além de Mbappé, têm origens africanas: são filhos de imigrantes da República Democrática do Congo os atletas Nzonzi, Matuidi e Kimpembe; do Marrocos, Rami; do Senegal, Mendy; de Mali, Kanté, Sidibé e Dembelé; da Guiné, o astro Pogba; do Togo, Tolisso; da Argélia, Fekir. Mandanda nasceu no Congo, e o astro Utiti, em Camarões. Mas o continente africano não diz tudo da diversidade étnica dos "Bleus". O Caribe também está presente: Varane nasceu na Martinica, e Lemar em Guadalupe. Até Antoine Griezmann, com o "n" devidamente duplicado, branco e de olhos azuis, é filho de um alemão com uma portuguesa. A diversidade na Seleção Belga, que tirou o Brasil da Copa, é ainda maior em muitos aspectos.

Sim, é verdade! O selecionado francês de 1998 já trazia essa marca. Afinal, aquele era o grupo liderado pelo argelino Zidane, o que ainda dói na memória dos brasileiros que gostam de futebol. Não vou aqui fazer o jogo das Polianas do integracionismo: o que se vê na equipe que venceu o mundial de 2018 não é um espelho da "pax étnica" da França. Depois daquele 1998, houve, por exemplo, os conflitos de 2005, quando os "banlieus" foram literalmente incendiados. As tensões continuam. E os subúrbios de Paris são celeiros, como se sabe, do extremismo islâmico. Mais ainda: a diversidade aceita e bem-vinda nos esportes não é sinônimo de tolerância em outras esferas da experiência humana, como a cultura e a religião. Assim, que não se joguem nas águas do Sena as tensões que um turista deslumbrado não vê em Paris.

Mas também não dá para fechar os olhos ao óbvio: essa Seleção Francesa — que tem os "africanos" como grandes astros — triunfa num momento em que, do outro lado do oceano, pessoas que nem falam espanhol são devolvidas ao México e em que crianças são separadas de seus pais. Donald Trump, uma aberração moral do ponto de vista político, não poupa nem mesmo imigrantes que serviram ao Exército dos EUA em guerras no Oriente Médio. As seleções da França e da Bélgica não são ainda uma metáfora ou uma metonímia da igualdade na diversidade, mas são uma aposta na tolerância num mundo que assiste ao triunfo dos intolerantes. E é, por óbvio, a evidência de que estes estão errados.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.