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Reinaldo Azevedo

É preciso tomar cuidado para que combate às “fake news” não vire censura. E o papel dos jornalistas e da imprensa profissional

Reinaldo Azevedo

14/03/2018 17h04

O que fazer para conter as "fake news" sem correr o risco de incorrer na censura e na criação de uma espécie de "Ministério da Verdade", como em "1984", a distopia orwelliana? Resposta: tudo e nada. Já chego lá. Ou ainda acabaremos criando o Ministério da Paz, que cuidará da guerra; o Ministério do Amor, que se encarregará de exterminar os adversários e os indiferentes, e o Ministério da Fartura, que decidirá quem terá direito aos alimentos. Logo, um Ministério da Verdade só poderia se ocupar das mentiras referendadas pelo Estado.

As "fake news" são um problema? Sem dúvida. Mas a única forma de combatê-las, do ponto de vista, digamos, filosófico, é com a verdade factual. Trata-se de uma tarefa dos decentes, como imperativo moral, e da imprensa profissional, como imperativo ético. No primeiro caso, é preciso que cada um não de nós não confunda seus amores e ódios com  a verdade dos fatos. E isso, hoje em dia, é cada vez mais comum porque o mundo contemporâneo tornou disponível a cada indivíduo uma janela para falar com o mundo. Quem despreza a incivilidade democrática não o faz apenas com um emissor de textos ou memes. Usa o automóvel, a bicicleta e até a Bíblia para tornar o mundo pior. Vale dizer: nesse caso, como em qualquer outro, escolhas individuais fazem diferença. Quem joga lixo na estrada, anda no acostamento ou vara o sinal vermelho não sabe usar o carro. Se flagrado, há a punição. E esta é uma exceção.

E há a responsabilidade pública. Não é de hoje, e já escrevi muito a respeito, que as redações de jornais, revistas, de portais, de televisão e de rádio emulam com as redes sociais. Infelizmente, Há muitos jornalistas e veículos profissionais — e há pistoleiros que fazem disto uma linha editorial — que estão mais em busca de "likes" do que de fatos. Não raro, essa imprensa profissional dá destaque, e com sinal positivo, a notáveis bobagens que entram nos "trending topics" do Twitter ou que despertam uma avalanche de adesões e reproduções no Facebook. E há, como sempre houve, bandoleiros que envergam as vestes de empresa responsável de comunicação que apostam apenas no barulho, não na informação.

Mas quando é que estivemos livres dessa praga? Assistam, a propósito, o filme "A Montanha dos Sete Abutres", dirigido pelo genial Billy Wilder. A Internet não trouxe à luz apenas os "produtores independentes de mentiras". Ela também voltou a dar força à chamada "imprensa marrom", aquela que preferirá sempre o alarido, pouco importando se o que veicula é verdade ou mentira.

Há mais: a "fake news", por ideologia, desinformação ou descuido — não necessariamente por dolo — pode se infiltrar na imprensa profissional e constituir até mesmo a linha editorial dos veículos de comunicação. Querem um exemplo? Canso de ler e ouvir repórteres e editorialistas profissionais a espalhar a mentira de que o STF pode "rever" a sua posição sobre a prisão depois da condenação em segunda instância. Não pode ser revisto o que não foi visto. Até que o STF não vote as Ações Declaratórias de Constitucionalidade, sobre as quais Cármen Lúcia está sentada, nem mesmo uma "visão" é possível. Por enquanto, o que se tem é uma decisão tomada numa ARE (Agravo em Recurso Especial), que valia para aquele caso em particular e com repercussão geral. Mas o martelo não está batido. Afirmar que o Supremo pode mudar o seu entendimento é "fake news" do tipo não-doloso e que não seria punido.

Há uma outra forma sutil de "fake news", que se revela pela omissão. Quando um jornalista publica uma informação que está em segredo de Justiça sobre pessoas que, muitas vezes, nem investigadas ainda são, ele o faz com base na sagrada liberdade de expressão, garantida pelo Artigo 5º da Constituição. Mas se omite de forma solene que o mesmo Artigo 5º garante o direito à intimidade. E se desconsidera que tal publicação deriva, como ignorar, de um crime?

Então não há nada a fazer? Acho que há. Pode-se pensar, desde já, e será preciso o devido tempo para estruturar a coisa, numa Câmara ou Vara Especial do Judiciário para dar a devida celeridade ao direito de resposta quando a "fake news", reconhecida como tal, incide na calúnia, na injúria e na difamação, os chamados crimes contra a honra. Os veículos de comunicação e as redes sociais identificáveis que, então, contribuíram ou contribuírem para espalhar o crime terão de arcar com as consequências legais, incluindo indenizações na área cível. E, ainda assim, será preciso tomar um cuidado danado para não confundir uma "fake news" com uma opinião considerada indesejada.

Assim, a resposta ao fenômeno está nas escolhas individuais, como sempre; no cuidado que devem ter os veículos profissionais de imprensa — que anda detêm a chancela do que é "verdade" — e na criação dessa Câmara Especial, que apenas dará celeridade a instrumentos legais que já existem, como direito de resposta, punição para os crimes contra a honra e indenização por danos morais.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.