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Reinaldo Azevedo

Estão querendo transformar o Museu Nacional, de 2018, no Reichstag alemão de 1933. Idiotias opostas se combinam na esgotosfera militante

Reinaldo Azevedo

03/09/2018 16h42

É claro que é preciso investigar se o desastre no Museu Nacional não foi criminoso. E é claro que é preciso tomar cuidado com teorias conspiratórias. Não estamos, não ainda, na Alemanha de 1933, e o museu não é o nosso Reichstag. E o Rio não é Berlim. Tanto a extrema-direita e seus militantes das cervejarias do meretrício intelectual como a extrema-esquerda e sua hipocrisia militante deveriam ter um pouco de pudor. Mas não têm. Ou não seriam quem são.

Sim, claro! Fogo e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) têm, nos últimos dois anos, uma intimidade que é digna de nota. No dia 3 de outubro de 2016, um incêndio de grandes proporções atingiu o oitavo andar do prédio da reitoria da universidade na Ilha do Fundão. No dia 16 de maio de 2017, outro, desta feita no campus da Praia Vermelha. O fogo, que começou na capela do Palácio Universitário, se estendeu para o Fórum de Ciência e Cultura e a Faculdade de Educação. Pouco tempo depois, no dia 2 de agosto de 2017, mais chamas, aí nos alojamentos, também na Ilha do Fundão. Agora. o desastre dos desastres no Museu Nacional. Também ele está sob a gestão da UFRJ.

Digamos que tudo o que as esquerdas estão a propagar nos alto-falantes das redes sociais fosse verdade e que, como afirmaram Manuela D'Ávila e Gleisi Hoffmann, a culpa recaísse sobre os ombros largos do governo, como é mesmo?, "golpista" de Temer. Ainda assim, cabe a pergunta: seria a única instituição a sofrer em razão do chamado "teto de gastos"? E as outras centenas de instituições federais, então, submetidas às mesmas dificuldades? Ignorar que há um problema, quando menos, de gestão na instituição é fazer o jogo do contente.

O prédio estava num estado lamentável. Obviamente, a deterioração não é fruto dos dois anos de governo Temer. Na verdade, essa gestão tomou as providências para tirar o museu do atoleiro. Mas o fogo veio antes. Em junho, por ocasião da celebração dos 200 anos do museu, celebrou-se um contrato com o BNDES, que prevê o repasse de R$ 21 milhões para a instituição. A primeira parcela, de R$ 3 milhões, seria — ou será vamos ver — liberada no mês que vem.

Gleisi, presidente do PT, e Manuela D'Ávila, do PCdoB, por enquanto vice do vice, querem encontrar culpados? Por que não buscar o governo Dilma? Desde 2014, o museu não recebia integralmente os R$ 520 mil mensais para a sua conservação. Naquele ano, foram R$ 427 mil.  No seguinte, R$ 257 mil. Subiu apara R$ 415 em 2016, ano do impeachment, e caiu para R$ 346 mil no ano passado — ainda mais do que os R$ 257 mil de 2015…

As redes sociais, como sempre, estimuladas por pistoleiros dos dois lados, recende a moralismo putrefato e de fachada e caça às bruxas. Sim, é verdade: o reitor da UFRJ, o sr. Roberto Leher, é filiado ao PSOL. Sua vice, Denise Fernandes Lopez, também pertence ao partido. Outros membros da cúpula da UFRJ são ligados à legenda. A informação circula freneticamente por aí. Muito bem! Isso quer dizer o quê? Será que o PSOL sai incendiando as coisas para jogar a culpa no governo Temer? Por que não pode ser o contrário?  A extrema-direita poria fogo em bens públicos sob a gestão do PSOL para culpar a esquerda?

Na Alemanha de fevereiro de 1933, os nazistas ganharam a narrativa. A culpa recaiu sobre um grupo de militantes comunistas estrangeiros. Hitler chegara ao poder no dia 30 de janeiro, havia menos de um mês. De tal sorte o incêndio do Parlamento servia à causa nazista que se levantou a suspeita óbvia: eles próprios haviam provocado a tragédia para preparar o caminho do golpe. Até hoje, não há nada de conclusivo a respeito.

Ah, sim! Também circulam freneticamente nas redes exemplos de manifestações artísticas que contam com o incentivo da Lei Rouanet ou da Lei do Audiovisual. O que essas coisas têm a ver com a outra, além de nada? O próprio Museu Nacional poderia ter apresentado um projeto, se quisesse, para captar incentivo. Daqui a pouco, alguém grita: "Isso tudo e culpa desses artistas maconheiros, comunistas e gayzistas que usam o nosso dinheiro para incentivar a pedofilia, destruir a família brasileira e desarmar os cidadãos de bem". Ao que responderão os ruminantes do outro lado: "Isso tudo é culpa do governo golpista e neoliberal, que impôs um teto de gastos e destruiu a cultura".

Os dois lados concordam que a salvação do país está na estupidez.

Eu, cá comigo, fico pensando: por que uma instituição com a importância do Museu Nacional estava subordinada a uma universidade cuja gestão — e pouco me importa se do PSOL ou não — está longe de ser um exemplo de eficiência? Há muito tempo, há muitas décadas, deveria estar subordinada a uma fundação de direito privado, de sorte que esta pudesse captar recursos junto a empresas privadas para se sustentar e manter um programa permanente de modernização.

O buraco, no fim das contas, é bem mais embaixo. Os estúpidos só nos distanciam da boa resposta, como sempre.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.