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Reinaldo Azevedo

Este 2018, mais do que nunca, cobrará dos analistas uma matéria que tem sido rara: a coragem de defender o império da lei

Reinaldo Azevedo

15/01/2018 07h37

No dia 24 de janeiro, o TRF4 julga o recurso do ex-presidente Lula contra a condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro no caso do tríplex do Guarujá. Aqui e ali, fala-se em risco de conflitos de rua e numa suposta onda de violência que poderia ser comandada pelas esquerdas caso se confirme a condenação, o que tornará o petista inelegível, segundo a Lei da Ficha Limpa. Já deixei claro que não acredito nisso. Os riscos que corremos são outros e se revelam, aí sim, é no médio e no longo prazos.

O que tem me desagradado, e muito!, nestes dias — e expressei tal preocupação na minha coluna na Folha, na sexta-feira passada — é o desapreço à ordem institucional e legal. Aí, sim! Infelizmente, os ataques a fundamentos da democracia estão menos nas ruas do que nos tribunais, na academia e em alguns grupos organizados à direita e à esquerda.

Todos conhecem de sobejo uma avaliação que já fiz aqui e em toda a parte. Nem a chamo de opinião porque entendo tratar-se de uma questão técnica. Para condenar Lula do caso do apartamento de Guarujá, Moro não pôde exibir as provas porque o Ministério Público Federal não as produziu. Os motivos alegados pelo juiz são distintos daqueles que estão na denúncia. Liberal que defende uma condenação sem que as provas estejam nos autos não é liberal, mas picareta. E pouco me importa se o réu se chama Lula ou Zé Mané. Tal procedimento rebaixa a democracia brasileira.

Ocorre que, se o TRF4 confirmar a sentença, o petista se torna inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa, que traz uma porção de aberrações, sim, mas é o que temos aí. Se degrada a democracia uma condenação sem provas — não estão nos autos ao menos —, não menos degradante é pôr em dúvida a legitimidade do pleito deste ano caso Lula seja impedido de se candidatar. Trata-se, já notei, de uma postulação covarde. Ora, se querem debater direito, comecemos, então, pela sentença de Moro e pela Lei da Ficha Limpa.

E daí que Lula tenha quase 40% das intenções de voto no primeiro turno? E daí que pudesse vencer qualquer dos adversários no segundo turno? Então deveria ser candidato por isso, pouco importando sua situação legal? Trata-se de um disparate. É impressionante! O meu artigo de estreia na revista VEJA, no dia 6 de setembro de 2006, tinha o seguinte título: "Urna não é tribunal. Não absolve ninguém". Quase doze anos depois, vejo-me na contingência de repetir a escrita: "urna não é tribunal; não absolve ninguém". A personagem daquele texto era Lula. A personagem deste comentário é… Lula!

Escrevi então: "o povo é a fonte legitimadora das instituições democráticas e, portanto, tem de ser protegido de si mesmo se atentar contra os códigos que guardam seus direitos – e isso inclui absolver ladrões. Esse é, aliás, o aparente paradoxo das sociedades modernas, em que vigora o estado de direito: a cultura da reclamação, da permanente mobilização, da constante reivindicação de direitos resulta em grupos de pressão que querem impor a sua agenda, ainda que o preço seja o fim da universalidade das leis. A esquerda, faceira, torna-se porta-voz desse novo humanismo de tribo. O paradoxo é aparente porque uma democracia não proíbe a existência de tais movimentos, mas também não cede. E seu limite é a lei, sem 'acomodações táticas'".

Este ano de 2018, talvez mais do que nunca, cobrará dos analistas uma matéria que tem sido um tanto rara no país: coragem!

A coragem, meus caros, de defender a ordem democrática e o império da lei sobre o arbítrio, ainda que bem-intencionado. Se é que isso existe…

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.