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Reinaldo Azevedo

Estratégias: Para Ciro, o inimigo é Bolsonaro, e Haddad, o empecilho. Para Alckmin, o PT é o inimigo, e o empecilho é Bolsonaro. E Marina?

Reinaldo Azevedo

13/09/2018 08h15

Uma eleição em que órgãos de investigação do Estado atuam de forma deliberada para interferir na vontade do eleitor tem tudo mesmo para ser esquisita. Notaram? Aquele que liderava, enquanto candidato do partido, a disputa, está preso. Refiro-me, claro!, a Lula, que teve de abrir mão de sua postulação em benefício de Fernando Haddad. O ex-segundo colocado, agora primeiro em razão da saída forçada da corrida do ex-presidente, também está recluso, só que por outra razão. Jair Bolsonaro (PSL) recebeu uma facada no dia 6 e está internado na UTI do hospital Albert Einstein. Nesta quarta, foi submetido a uma nova cirurgia. Sua campanha é tocada pelos filhos, por Hamilton Mourão, seu vice, e, ainda que de forma involuntária, pela imprensa, que os bolsonaristas adoram odiar. Faz-se do caso uma cobertura maciça. O empate de ontem entre Corinthians e Flamengo era a cada pouco interrompido pela informação sobre a nova cirurgia — sempre a mesma informação, note-se.

Assim, os ausentes Lula e Bolsonaro é que acabam ditando o ritmo da batalha eleitoral. Só o incerto nos contempla.

Os candidatos vão buscando o seu lugar nessa equação especialíssima. A julgar pelas falas de ontem, parece que todos estão à caça da segunda vaga. Ainda que não se diga, os concorrentes de Bolsonaro dão pistas de não mais acreditar que ele possa estar fora do segundo turno. Sim, ainda faltam uns bons dias para a eleição. Ocorre que a reação do próprio eleitorado é uma incógnita, uma vez que esta submetido a um quadro nunca antes visto na história deste país, como dizia Lula quando fora da cadeia. Na sexta, vem à luz uma pesquisa Datafolha, com os questionários aplicados hoje e amanhã.

Ciro Gomes (PDT), embolado no segundo lugar com Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), ainda que com números distintos, mantém a sua crítica a Bolsonaro, mesmo no hospital. Associa-o ao comportamento fascistoide; diz que abandonará a política se o capitão reformado vencer e, assim, deixa claro ser este o mal maior a combater. Mas, ora vejam!, sua crítica direta vai é para o petista Fernando Haddad.

Em sabatina promovida pelos jornais O Globo, Valor Econômico e pela revista Época, o ex-governador do Ceará atacou a estratégia do PT de insistir no nome de Lula para concorrer ao Planalto. Segundo Ciro, a legenda tentou manipular os eleitores, vitimizando-se e insultando a inteligência média do brasileiro.

Ou por outra, o inimigo a ser combatido é Bolsonaro, sim, mas o entrave imediato é Haddad. Nas contas petistas, Ciro acabaria murchando em razão dos poucos segundos que tem no rádio e na televisão. Mas, por enquanto, o que se vê é o contrário. O candidato do PDT cresceu na preferência do eleitorado. Nos planos do PT, Haddad irá ao segundo turno, entre outras razões, porque vai tomar para si parte do eleitorado de Ciro. Até agora, não aconteceu.

Se Ciro tem Bolsonaro como fascistoide, convém, então transformá-lo no nome do medo, mas tentando tirar do caminho aquele que pode atrapalhar sua pretensão de enfrentar o "mito": justamente Haddad.

A estratégia do tucano Geraldo Alckmin também trabalha com a hipótese de que o candidato do PSL possa estar no segundo turno, mas o fantasma com que acena é outro: chama-se PT. Na sua mensagem, votar em Bolsonaro acabaria dando a vitória para o candidato petista — que, então, nessa prefiguração, caminharia inexoravelmente para o segundo turno. Para arrancar eleitores de Bolsonaro, é preciso bater firme no PT. Durante evento de campanha em Minas Gerais, o ex-governador classificou como "inacreditável" que o anúncio da candidatura de Haddad tenha sido feito onde Lula está preso. Além disso, Alckmin disse que o PT vai precisar explicar nas próximas semanas como teve início a crise econômica da qual o país ainda se recupera.

Síntese das sínteses: para Ciro, o inimigo é Bolsonaro, mas o empecilho é Haddad. Para Alackmin, o inimigo é o PT, mas o empecilho é Bolsonaro. Nos dois casos, o que se vê é, na verdade, pregação do voto útil.

Marina Silva (Rede), que viu seu nome murchar tanto na pesquisa Datafolha como na pesquisa Ibope, não tem muita saída: sabe que o eleitorado de Bolsonaro é seu antípoda. Os grupos não se conversam do ponto de vista eleitoral. Para tentar continuar no jogo, o alvo tem de ser Haddad e seu partido. Marina agora diz acreditar que Lula é corrupto e afirma que o ex-prefeito tem de explicar os malefícios causados ao país pela dupla "Dilma-Temer". A estratégia é um pouco estranha e pode indicar que a candidatura está um tanto perdida. Parte do eleitorado lulista tem simpatia pela candidata da Rede. Acabará desertando. A tentativa de ligar Haddad ao governo Temer porque, afinal, este foi vice de uma petista é raciocínio um tanto rocambolesco, de difícil tradução para o eleitorado.

E Haddad? Apanha por todos os flancos, mas não parece disposto a entrar em embates duros com os seus pares de segundo lugar. Um valor mais alto se alevanta. Como aposta que chegará ao segundo turno em razão da unção feita por Lula, ele tem evitado responder com dureza à crítica daqueles que podem ser, então, seus eventuais aliados numa disputa final.

O ex-prefeito sabe, ademais, que os adversários, de qualquer matiz, acabarão levando a debate os desmandos havidos na gestão petista. Em Lula, lembrem-se, nada mais colava. Mas Haddad é outra pessoa.

As peças estão todas no tabuleiro. Durante um bom tempo, o eixo da questão eleitoral era o que faria Lula. A facada em Bolsonaro roubou essa centralidade. Agora o que conta mais é um boletim médico e a influência que aquele gesto tresloucado tem na escolha dos eleitores. Bolsonaro está em uma UTI. Mas aquela facada lhe deu centralidade na disputa eleitoral.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.