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Reinaldo Azevedo

Fake News 1: Ingredientes para uma notícia falsa, mas com grife de grande imprensa: entrevista inútil, Barroso, Reuters e Globo

Reinaldo Azevedo

15/02/2018 16h41

Vamos lá: tome-se uma agência de notícias, a Reuters, que decidiu esquentar uma notícia; um ministro do Supremo viciado em holofotes, Roberto Barroso; um grupo de comunicação frustrado porque não conseguiu derrubar o presidente da República e porque fez alarde de uma "fake news" — o grupo Globo —; um delegado-geral da Polícia Federal que teve o seu impressionante momento de ingenuidade, Fernando Segóvia, e uma turma de delegados que decide falar a linguagem dos justiceiros… Pronto! Está dada uma crise artificial. Nota: a que "fake news" me refiro? Àquela segunda a qual Michel temer teria dado a Joesley Batista aval para a compra do silêncio de Eduardo Cunha. Isso nunca existiu. Ou a turma que traga a gravação à luz. O que não é aceitável é não fazer nem uma coisa nem outra: nem exibir a prova nem se desculpar. Adiante.

Voltemos ao caso. Em entrevista à Agência Reuters, tornada pública na sexta, Segóvia afirmou que, até o momento, o inquérito que apura se Michel Temer beneficiou o grupo Rodrimar com um decreto envolvendo os portos não havia encontrado nada contra o presidente. A razão é escandalosamente simples, e eu já apontei isso aqui no blog: o grupo não foi beneficiado pelo tal decreto. Ainda que tivesse sido, é bom notar, seria preciso evidenciar que o presidente recebeu alguma contrapartida para caracterizar a corrupção passiva.

É bem verdade que os revolucionários do direito que hoje se espalham pela PF e pelo Ministério Público Federal têm dispensado, para fazer suas acusações, denúncias e alardes, essa bobagem de evidenciar a contrapartida recebida pelo agente público para, então, apontar o ato corrupto. Eles todos se contentam com a própria convicção, sustentando que o seu alvo tinha ao menos a intenção criminosa.  O símbolo desse novo momento do direito foi o pedido de prisão, feito por Rodrigo Janot, dos senadores Renan Calheiros e Romero Jucá e do ex-presidente José Sarney. Teori Zavascki negou porque não conseguiu encontrar motivos que justificassem o ato.

Tempos depois, o próprio Janot recomendou o arquivamento da investigação. E se saiu com uma explicação que entrará para os anais do direito penal: afirmou que o trio só não cometeu o crime porque ele, Janot, entrara em ação, pedindo a prisão preventiva.  Não sei se entendem: o então procurador-geral estava dizendo ser capaz de entrar na mente de seus alvos e detectar intenções criminosas. Em qualquer democracia do mundo, este senhor teria de responder por seus atos na Justiça e junto à corregedoria do órgão que integra. Por aqui, nada acontece. O Ministério Público acha isso normal. E juízes certamente recusariam uma ação contra a prática delinquente. Mas volto a Temer.

O delegado afirmou o óbvio, embora seja ingênuo conceder uma entrevista com esse teor. A Reuters resolveu dar uma "esquentada" ao editar a entrevista e vendeu ao distinto público que o delegado-geral havia afirmado que a investigação sobre Temer será arquivada. Ele não disse nada disso. Tratou-se de uma interpretação da Reuters. A matéria foi corrigida. Segundo a agência, dado o que disse o delegado, há a indicação de um possível arquivamento.

Mas foi o que bastou para incendiar os setores anti-Temer da imprensa, em especial o exército do grupo Globo. Segóvia passou a ser tratado como homem escolhido a dedo para impedir uma investigação contra a o presidente. Reitere-se: o delegado limitou-se a dizer:
– o decreto sob investigação não beneficiou o grupo Rodrimar, e essa é a acusação;
– não se conseguiu achar, até agora, indício de crime.

E só. Deveria tê-lo feito? Respondo: não! Pela simples e óbvia razão de que a exploração seria certa como dois e dois são quatro. Afinal, como se sabe, delegados e procuradores podem sair por aí, em entrevistas e nas redes sociais, a declarar a culpa de Deus e o mundo. E ninguém diz um pio.

Roberto Barroso não perdeu tempo. Intimou Segóvia a prestar informações, uma vez que o titular da investigação, em razão do foro especial do presidente Michel Temer, é o Supremo. Curioso esse ministro: ele pode conceder entrevistas e escrever artigos sobre matéria que ainda será votada no Supremo — como é o caso da Ação Declaratória de Constitucionalidade —, mas vê uma grave ameaça quando um delegado relata um fato: não há, até agora, nada contra o presidente.

Mais: a intimação já deveria ter sido suspensa, uma vez que a Reuters admitiu que Segóvia não disse o que a agência disse que ele disse. Ou por outra: o veículo abandonou o que tinha — "Segóvia diz não haver provas contra Temer" — para noticiar o que não tinha: "Segóvia diz que investigação contra Temer será arquivada".

Mas, claro!, aí entram os veículos do grupo Globo para manter acesa a chama do esquentamento. Um presidente que ousou não cair quando, afinal, tinha recebido a ordem para renunciar merece não ter descanso, não é mesmo?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.