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Reinaldo Azevedo

Havia muita gente na rua em SP. Em SP, pouca gente na rua havia. As 2 afirmações são verdadeiras; entre elas, vai a história!

Reinaldo Azevedo

04/04/2018 03h13

Protesto na Avenida Paulista neta terça: havia muita gente; havia pouca gente (Foto: Nilton Fukuda/Estadão)

Não se tem um levantamento ainda do número de pessoas que foram às ruas cobrar que o Supremo negue o habeas corpus para Lula. Houve protestos em várias capitais e em algumas grandes cidades. A menos que Policia Militar ou algum instituto com credibilidade deem estimativa, depois de avaliação criteriosa, sempre se estará chutando. De todo modo, em São Paulo, o protesto, dado o fim a que se destina, foi significativo. Oito quarteirões da Paulista foram ocupados por manifestantes anti-Lula. Não sei quantas pessoas estavam lá. É bastante gente. Isso quer dizer o quê?

Depende das lentes com que cada um decide analisar a questão. Os dias gloriosos do impeachment de Dilma, como se vê, não voltam mais. E, antes que o Conselheiro Acácio se lembre de dizer que não se pode cobrar a saída de quem já foi, é bom notar que o mote da mobilização não é só a prisão de Lula: pede-se que ela seja efetivada para que ele não volte.

Assim, é evidente que diminuiu brutalmente o teor de antipetismo das ruas. Isso se revela, como se sabe, nas pesquisas eleitorais. O ex-presidente, se candidato, venceria com folga todos os seus adversários, o que dá conta da ação deletéria da Lava Jato na política e dos erros táticos e estratégicos cometidos pelos movimentos, como posso chamar para ser genérico?, antipetistas.

Se os petistas esperavam um fiasco absoluto, certamente se decepcionaram. Havia muita gente. Mas os movimentos, pouco importa o viés que tenham — os claramente golpistas tiveram nesta terça uma visibilidade jamais alcançada durante as manifestações pró-impeachment —, sabem que tiveram de fazer, desta feita, uma frente unindo alhos com bugalhos para conseguir um número expressivo.

A diferença entre as maiores jornadas de história e a presença na rua nesta terça se explica de várias maneiras. Entre o 13 de março de 2016 — a maior manifestação da história do país — e este 3 de abril de 2018, a Lava Jato dilapidou a chamada classe política; tentou depor Michel Temer duas vezes (sob o silêncio cúmplice ou o estímulo de alguns grupos organizados que estavam protestaram nesta terça); meteu-se nas trapalhadas verdadeiramente criminosos com os Irmãos Batista; evidenciou ter uma tática de ocupação de poder, embora não um projeto de poder. Nem uma coisa nem outra lhe cabem.

Essas práticas foram se desdobrando sem encontrar resistência nenhuma daqueles movimentos que haviam mobilizado parte considerável da população em favor do impeachment. Ao contrário: todos decidiram ser caudatários da Lava Jato, crescentemente subservientes às suas orientações, assistindo passivamente à liquidação das alternativas de poder, pouco importando se havia ou não motivos para isso.

Restou uma indignação de alvo único. Lula tornou-se o símbolo do que se quer afastar e, a rigor, a única pauta capaz de unificar uma diversidade que, hoje em dia, já é menos ideológica do que tática. Há uma corrida eleitoral em curso, e aqueles grupos disputam lugares de poder. Não são poucos, entre eles, os que se dizem "liberais", "conservadores", "da direita democrática". Mas com uma pauta contra o habeas corpus? Contra um dispositivo claro da Constituição? Contra a garantia expressa no Código de Processo Penal? Um liberalismo que repudia garantias e pisca para o Estado  Leviatã, que há dias decidiu, numa combinação de Raquel Dodge com Roberto Barroso, contornar a lei e a decisão do Supremo e usar prisões temporárias como substitutivas de condução coercitiva? As democracias contam com medidas cautelares alternativas à prisão. A nenhuma delas tinha ocorrido antes usar a prisão com alternativa a uma medida menos gravosa. Isso é coisa de Estado fascista. "Quer dizer que o Estado brasileiro é fascista?" Não! A decisão é que é fascistoide.

Ocorre que Lula é também um ativo eleitoral dos antipetistas. E, para os que se mobilizam contra o habeas corpus, importa menos o valor constitucional que está em debate do que faturar com o antilulismo. Ainda que isso não seja exatamente um primor de conduta moral.

Havia muita gente na rua em São Paulo ao menos.

Mas havia pouca gente na rua.

A razão é simples: Lula, a pauta que une os ditos movimentos, só esconde as razões que os dividem.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.