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Reinaldo Azevedo

Imprensa destaca o irrelevante no caso de Lula e ignora petição que evidencia que tríplex foi penhorado como bem da OAS

Reinaldo Azevedo

17/01/2018 17h54

Muita conversa mole se disse e se escreveu nesta terça, ontem, sobre o julgamento do recurso de Luiz Inácio Lula da Silva, apresentado ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, contra a sua condenação, decidida pelo juiz Sérgio Moro, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tal tríplex de Guarujá. Houve destaque para ao menos duas irrelevâncias, e um dado essencial foi ignorado. Vamos ver.

A primeira irrelevância: João Pedro Gebran Neto, relator da Lava-Jato no TRF-4, negou pedido da defesa do ex-presidente para que ele fosse novamente interrogado. A defesa tem a obrigação de fazê-lo, é claro!, quando menos para marcar posição, mas tinha a certeza de que o pedido seria recusado. Este vinha ancorado num pressuposto: o de que Lula não tinha sido interrogado ainda com a devida isenção. Aceitar um pedido como aquele corresponderia a admitir que o juiz Sérgio Moro cometeu um erro, falha ou omissão formal, o que comprometeria, por óbvio, a sua sentença. Seria como dar de barato que a atuação do magistrado agrediu o direito de defesa do réu. É claro que Gebran Neto não iria aceitar! A imprensa tratou a negativa como uma derrota importante. Não é. E é evidente que os advogados de Lula não esperavam resultado diferente. Pretendiam é chamar a atenção para o que consideram uma variante do cerceamento do direito de defesa.

A segunda irrelevância, por mais buliçosa que seja, diz respeito à manutenção da ordem no dia do julgamento. A estupidez reinante entre os não-petistas e em setores ligados à Justiça transformou o evento do dia 24 numa das datas mais importantes da recente história da República. Lula não poderia querer nada melhor do que isso. Obviamente, ficou furioso com a estupidez dita por Gleisi Hoffmann (PR), a senadora-ré que preside o PT. Ela chegou a prever cadáveres se o ex-presidente for preso. Ela é do tipo que desce para o play e não sabe brincar. Quando eu era criança, meninos ao menos gostavam de simular guerras em terrenos baldios. Uma das armas eram sementes de mamona. Quando verdes, doem um pouco. Quando secas, grudam na roupa. Ninguém se machucava de verdade. Afinal, Gleisi não estava lá. Gleisi não sabe brincar. Sigamos.

O governo do Rio Grande do Sul decidiu esvaziar os prédios públicos à volta do tribunal. Também pediu que o Planalto deixe de sobreaviso Exército e Força Nacional de Segurança. Transforma-se o julgamento de um recurso — que ainda nem tem caráter definitivo no que respeita à elegibilidade de Lula — numa operação de guerra. Quem ganha com isso? Mais uma vez, obviamente, é Lula.

Os grupos de direita — e como a ignorância histórica pesa nessas horas! — transformaram a decisão do TRF-4 naquilo que ela não é: metáfora ou antecipação da eleição de 2018, como se a provável derrota de Lula no tribunal correspondesse à derrota eleitoral do partido em 2018. É preciso ter um cérebro de minhoca para não perceber que a decisão do dia 24 se transformou, para o partido, em mais um instrumento da disputa eleitoral, em mais um meio, não num fim. Em vez de organizar protestos, os adversários do PT deveriam tomar um Chicabon, ir ao cinema, arrumar uma namorada, um namorado, ler um livro (o que seria uma experiência nova….), sei lá. Mas não! Vão fazer campanha eleitoral de graça para o PT.

Essa gente não ressuscitou o partido com uma única ação estúpida. Trata-se de um conjunto, de um método.

O relevante
E o relevante ficou para trás. A que me refiro?

Nesta terça, a defesa de Lula entregou ao TRF-4 um documento — uma petição, na verdade — com a prova de que o tal tríplex de Guarujá foi penhorado, por decisão da Justiça, para fazer frente a uma dívida da… OAS. Notem: já se sabia que a empresa incluía o imóvel entre suas propriedades, em lista entregue a bancos, para a emissão de debêntures. Aí se disse: "Ah, isso é normal; não quer dizer nada!". De fato, é normal.

Mas a penhora é outra coisa.

Numa demanda da Macife S/A Materiais de Construção contra a OAS Empreendimentos S/A, a Segunda Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios incluiu o tríplex de Guarujá entre os bens da OAS penhorados para fazer frente à dívida. A Macife passou a ser fiel depositária de tais bens — também do apartamento.

Bem, nós, os que não queremos que Lula ou outro petista se eleja presidente em 2018, podemos olhar para o outro lado, ir à rua levantar bandeira e fazer de conta que a Justiça pode penhorar um bem de Lula para fazer frente a uma dívida da OAS, de sorte que, agora, a Macife é fiel depositária de um apartamento que, na verdade, pertenceria ao ex-presidente. E isso seria uma garantia de que a empreiteira vai honrar seu compromisso. Faz sentido?

A Justiça tem várias instâncias e esferas, mas o sistema judicial é um só. Ou bem o juiz Sérgio Moro ignorou a evidência de que o tríplex não pertence a Lula — não para efeitos legais, e, no estado de direito, é o que tem de ser levado em conta —, ou bem a Segunda Vara de Execução de Títulos Extrajudiciais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios surrupiou um apartamento de Lula, por meio da penhora, para fazer frente a uma dívida não paga pela OAS.

Acho cretino o debate se Lula deve ser vencido nas urnas ou nos tribunais — ou, ainda, nos tribunais e nas urnas. O que me importa é a manutenção da ordem legal, para a qual os petistas nunca deram bola. E, por essa razão, eu os combato há mais de 30 anos. Como não sou petista, nem pelo avesso, essa tal legalidade, numa democracia, é o principal esteio do meu pensamento.

E estou pouco me lixando para o que pensam os profissionais do petismo e os profissionais do antipetismo, que são apenas dois meios fáceis, quase sempre pouco honestos, de ganhar a vida.

Prefiro trabalhar.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.