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Reinaldo Azevedo

Imprensa precisa reagir a agressões à Constituição também quando não é o alvo das violações

Reinaldo Azevedo

06/10/2017 16h51

A imprensa, no seu conjunto, está de parabéns. Reagiu com presteza à ameaça contida numa emenda da reforma política que obrigaria sites, blogs e páginas eletrônicas no geral a suspender, sem decisão judicial, conteúdos que fossem considerados "discurso de ódio, disseminação de informações falsas ou ofensa em desfavor de partido ou candidato".

Escrevi hoje de manhã que logo começaria o alarido "Veta, Temer!" Embora, com certeza absoluta, ele seja hoje a principal vítima daquilo que o tal artigo buscava coibir. O autor, o deputado Áureo (SD-RJ), justiça se faça, parece que pretendeu vetar apenas o anonimato. O Inciso IV do Artigo 5º da Constituição define: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato". Bem, é desnecessário demonstrar que correntes que se formam na Internet, que, muitas vezes, espalham boatos que podem ferir gravemente direitos fundamentais, estão ancorados no… anonimato!

Mais do que isso: há grupos organizados que se especializam em espalhar notícias falsas. Boa parte das páginas que participam da guerra suja na Internet nem hospedada no Brasil está. Para elas, a Constituição e o Código Penal são letras mortas. Um Ministério Público Federal que cumprisse suas atribuições já estaria no encalço dos criminosos. E por que não o faz? Porque o MPF de Rodrigo Janot, Carlos Fernando e Deltan Dallagnol é beneficiário político e moral dos pistoleiros anônimos.

O problema existe, sim! Mas a resposta não está na proposta formulada pelo deputado Áureo, que acabou ferindo uma prerrogativa constitucional., Imediatamente, entidades ligadas à imprensa e a jornalistas reagiram, no que fizeram muito bem. Como ficou claro, eu também reagi e me opus ao texto.

Só que fiz um questionamento: e todas as outras violações à Constituição havidas ou ainda em curso? A imprensa reagiu com a mesma presteza? Poderia ter citado 10, 15, mas citei quatro mais evidentes:
1: a Constituição não permite punição retroativa. E se fez isso com o Ficha Limpa. Boa parte da imprensa aplaudiu;
2: a Constituição não prevê a punição de parlamentares com medidas cautelares. Foi o que se fez com Aécio Neves. Boa parte da imprensa aplaudiu;
3: a Constituição não admite provas ilícitas. A ilicitude das produzidas contra Temer e Aécio é escancarada. Boa parte da imprensa aplaudiu;
4: a Constituição não permite que o presidente da República, no curso do seu mandato, seja processado por atos que lhe são atribuídos quando ainda não chefiava a nação. A nova denúncia de Janot contra Temer se baseia em supostas ocorrências de quando ainda não era presidente. Boa parte da imprensa aplaudiu.

Entidades como a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), por exemplo, protestaram. Fizeram bem! Apenas lembro que foi na Abraji que o sr. Rodrigo Janot admitiu que não tinha prova contra o presidente da República — quando ele se referiu à "prova satânica" — e que estava abrindo uma espécie de licitação entre Eduardo Cunha e Lúcio Funaro para saber quem faria a acusação mais pesada contra seu alvo fixo: Michel Temer.

O nome disso? Violação da lei. De uma penca delas. Houve lá alguma contestação? Nada! Os presentes até acharam engraçado que Janot tenha empregado a expressão "prova satânica", em vez de "prova demoníaca", que é um jargão do mundo do direito: é a prova que não pode ser produzida. Ele escolheu "satânica" para fazer eco a páginas do submundo da Internet que associam Temer ao satanismo. Ou por outra: contra o presidente, por exemplo, vale tudo, inclusive violar e ainda tripudiar da vítima. Na verdade, nem entendi o que ele fazia lá. Já à época, ele deveria estar na condição de um investigado — pelos jornalistas ao menos —, não de professor de quem investiga.

Fico satisfeito que a imprensa tenha reagido tão prontamente. Mas precisa ser menos corporativista. Se é em nome da Constituição que o faz agora — e os Artigos 5º e 220 da Carta asseguram a liberdade de expressão e repudiam a censura —, então que reaja sempre que houver violação da lei ou da ordem constitucional. Que tal parece minha proposta?

Sim, o presidente Michel Temer se apressou em divulgar uma nota:
"O presidente Michel Temer vetará o artigo da nova lei eleitoral, que exige aos provedores de aplicativos e redes sociais a suspensão de publicação quando for denunciada por ser falsa ou incitar ódio durante o pleito. O presidente atendeu pedido do Deputado Áureo (SD/RJ) após conversar, por telefone hoje de manhã, com o parlamentar.
Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República"

Como se nota, o próprio parlamentar abandonou a proposta, reconhecendo seus problemas. Mas duas perguntas remanescem:
a: que resposta se dará anonimato criminoso?
b: por que a imprensa é tão condescendente com violações à Constituição, especialmente quando os agentes que a praticam dizem fazê-lo em nome do bem?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.