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Reinaldo Azevedo

Jurista Lenio Streck diz que mereço título de “jurista honorário”. E expõe o que temos de comum e de disinto: o conservadorismo

Reinaldo Azevedo

23/01/2018 07h59

Lenio Streck: da arte de dizer o que tem de ser dito, sem fazer embaixadinha para a torcida dos idiotas

Lenio Luiz Streck é um dos juristas mais respeitados do país. Não o conheço pessoalmente. Apenas trocamos algumas mensagens de WhatsApp, não mais do que isso. Nem mesmo nos falamos ao telefone. Acompanho sempre com muito interesse tudo o que ele escreve, mesmo quando dele discordo, o que é raro.

Ele escreve bem. É visível  — mesmo para este rábula — que tem uma sólida cultura jurídica e, bem, uma sólida cultura. Ponto. Está entre as pessoas que conseguem articular outros saberes, que vão além do direito, e o faz para iluminá-lo e ampliar o seu alcance.

Recebi um prêmio e tanto nesta segunda. Streck é colunista do site "Consultor Jurídico", uma referência na área. Em seu mais recente artigo, intitulado "O paradoxo de Münchhausen do caso Lula: se o MPF ganhar, Moro perde", o doutor cita este jornalista. Destaco um trecho:
"Pois o silêncio de parcela enorme da comunidade jurídica é cortado pelo grito de um jornalista — insuspeito por suas notórias diferenças políticas com o PT e com a esquerda, especialmente Lula. Falo de Reinaldo Azevedo, que vem apontando, de há muito, que mesmo contra inimigos devemos respeitar o devido processo legal. Reinaldo e eu temos uma coisa em comum: o conservadorismo. O meu, um conservadorismo constitucional — minha ortodoxia em relação a Constituição Federal; o de Reinaldo, um conservadorismo político, atento aos fatos que podem colocar por terra o cerne da democracia: o respeito ao Estado de Direito.
Nenhum dos dois sobreviveria fora da democracia. Daí nosso zelo. Por isso, Reinaldo tem feito análises melhores que parcela dos juristas. Que silenciam sobre o caso ou que substituem o Direito por seus juízos morais ou moralistas. Reinaldo deveria receber o título de 'jurista honorário'. Porque não se comporta como torcedor
."

Acima, vai o link com a íntegra do artigo. Streck não o escreveu com o objetivo de me elogiar. Ele trata das contradições, inconsistências e exotismos da sentença de Sérgio Moro, que condenou Lula, e que deve ser endossada na praça de guerra de Porto Alegre nesta quarta. O texto merece ser lido porque elucida questões técnicas da maior relevância. Creio que ele me cite porque, afinal, o Brasil está se transformando num país de covardes intelectuais e de embusteiros profissionais. A cada vez que vejo alguém brandir a bandeira do "liberalismo", mas endossando uma condenação sem provas — seja de Lula, seja do Zé Mané —, meu estômago fica verdadeiramente embrulhado. A picaretagem intelectual me provoca náusea. A covardia é sempre asquerosa.

E pouco me importam quantas besteiras digam pessoas como os senadores petistas Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (PR). No dia em que essa dupla definir o conteúdo e o limite do que escrevo ou falo, então mudo de profissão, vou fazer outra coisa. Não são meus adversários ideológicos a determinar meu modo de ver o mundo.

Streck tem absoluta razão numa coisa: nenhum de nós dois sobreviveria fora da democracia. Por isso sou antigo no combate ao PT. Não comecei anteontem. E não aceitarei as armas que repudio nem contra o petismo. Só sei ser assim.

"Ah, a dupla está atuando em favor do PT…" É mesmo? Que coisa!

Contra o PT
Em agosto de 2012, há quase seis anos, Streck e eu defendemos a mesma tese: a lei 8.038 havia posto um fim aos embargos infringentes, o recurso que permite que se submeta uma pessoa condenada a uma segunda apreciação do colegiado, desde que existam votos divergentes — vale dizer, em favor da absolvição. Publiquei meu texto no dia 13 de agosto de 2012, às 7h39 (está aqui). Tratava-se, por óbvio, da apreciação de um leigo que gosta de direito.

Naquele mesmo dia, Streck escreveu um longo artigo, com muito mais rigor técnico e referências do que era capaz este escriba, por razões óbvias, demonstrando que, com efeito, os tais embargos infringentes haviam sobrevivido no Regimento Interno do Supremo, mas não na lei. E a lei pode mais do que o regimento de uma corporação. Fiquei feliz. Eu estava certo na minha ousadia.

Se, agora, os trouxas de um lado dizem que estamos defendendo o PT, naquele caso, os trouxas do outro lado nos acusavam de militar contra o PT. Por quê? Se o STF decidisse, como decidiu — por 6 a 5 — que os infringentes haviam sobrevivido à Lei 8.038 (e não sobreviveram, noto), os petistas José Dirceu, Delúbio Soares e João Paulo Cunha teriam um de seus respectivos casos submetidos a nova votação. Ela aconteceu. E cada um deles foi absolvido de um crime, e suas respectivas penas foram diminuídas. O novo resultado só foi possível porque o tribunal que absolveu já não era mais o que havia condenado: quem liderou a defesa dos infringentes e a absolvição dos petistas foram Teori Zavascki e Roberto Barroso.

Com a devida vênia, alguns têm ficha corrida. Eu posso dizer que, nessa área do debate, no universo da imprensa, já tenho história. Acusavam-nos, então, de estar apenas fazendo militância contra o PT. Não demos bola, Streck e eu. Acusam-nos agora de estar, que piada grotesca!, a serviço do PT. De novo, cumpre não dar bola.

Streck vai ao ponto ao fizer por que ele faz o que faz e por que eu faço o que faço. Relembro suas palavras:
"Reinaldo e eu temos uma coisa em comum: o conservadorismo. O meu, um conservadorismo constitucional — minha ortodoxia em relação a Constituição Federal; o de Reinaldo, um conservadorismo político, atento aos fatos que podem colocar por terra o cerne da democracia: o respeito ao Estado de Direito."

Eu mesmo não definiria melhor e não sintetizaria com mais precisão o meu pensamento.

Obrigado, professor!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.