Topo

Reinaldo Azevedo

Lema do protesto de hoje é plágio de texto meu de 2016. É só fato, não reclamação. Em 2017, adverti para alguns erros. E acertei

Reinaldo Azevedo

03/04/2018 08h44

Grupos contrários à concessão do habeas corpus para Lula estarão hoje nas ruas. O lema da convocação é "Ou você vai, ou ele volta". É plágio do que escrevi no dia 22 de fevereiro de 2016. O post, que está aqui. Tratava então da manifestação marcada para o dia 13 de março daquela ano em favor do impeachment de Dilma. E lá fiz a síntese, já no título: "Ou você vai, ou ela fica". Os movimentos, então, adotaram a síntese, que, convenham, era bem esperta.

Se estou incomodado com isso? É claro que não! Aliás, estou acostumado. Dia desses, um sujeito aí mandou ver numa palestra remunerada: "O ódio é mais fiel do que o amor". A frase é minha. É do jogo. Em tempos de Internet, há quem defenda o fim da autoria. Não é o meu caso. Há alguns séculos entre esses dois anos.

Desde que as manifestações transcorram dentro das regras do jogo, não há nada de excepcional em que pessoas se juntem para defender que o Supremo faça isso ou aquilo, embora eu não aprove esse tipo de pressão contra tribunais. Não numa democracia. As manifestações desta terça, a despeito da ligeira torção a que foi submetida a minha criação, não conta com o meu apoio. E não é difícil explicar por quê, remetendo as razões ao presente e ao passado recente.

1: A Constituição é explícita sobre o cumprimento da pena depois do trânsito em julgado. Tal matéria nem deveria ser objeto de controvérsia. Não é uma opinião nova;

2: sou contra juízes que legislam; o caso em questão, ademais, é cláusula pétrea;

3: o STF deveria estar debatendo a questão de princípio, em vez de estar enredado no debate oportunista sobre a concessão ou não do HC a Lula; tem de votar as ADCs que estão lá.

4: acho que a esquerda não estaria dando a menor pelota para o assunto se Lula não estivesse com um pé na cadeia;

5: acho que a direita não estaria dando a menor pelota para o assunto se Lula não estivesse com um pé na cadeia;

6: Lula e o PT não regulavam as minhas opiniões nem quando eu batia neles quase em solidão. Imaginem, então, se vão regular agora;

7: sou um liberal; numa democracia, defender que a Constituição seja ignorada para que se meta um homem na cadeia — ou um milhão — afronta meu senso de Justiça.

E o impeachment?
As circunstâncias eram absolutamente distintas. Dilma havia cometido crime de responsabilidade. Aliás, já o havia feito em 2014. As pedaladas daquele ano não integraram a denúncia. Só entraram as de 2015, já no exercício do segundo mandato. Assim, havia a questão jurídica.

Mas, é evidente, impeachment é também um processo político. O procedimento é composto dessas duas faces. Por isso, faz-se o juízo de admissibilidade da denúncia na Câmara. A todos estava claro que ela havia perdido as condições de governar o país. Como afirmei à época, deveríamos erguer as mãos para o céu por ela ter enfiado o pé na jaca das contas públicas.

A pressão das ruas era, pois, uma pressão política para que a Câmara desse início a um processo que poderia resultar no seu afastamento e na sua queda. E, apostei, o Brasil iria melhorar. Os indicadores econômicos estão aí. Deus sabe para onde Dilma poderia ter nos conduzido. Se bem se lembram, ela estava naquela fase em que tentava corrigir os erros velhos com erros ainda mais velhos. Não surpreendia nem nas escolhas desastradas.

Mobilizar milhares ou milhões para pressionar uma Casa política, como é a Câmara, é, a meu ver, adequado. Desde que se respeitem as regras do jogo. E as manifestações pró-impeachment entraram para a história como as maiores a que o país assistiu. E também as mais pacíficas. A esquerda cometeu a besteira, vocês se lembram, de dar a mão aos black blocs…

O Supremo não é uma Casa política. Não gosto — E NUNCA GOSTEI — do abafa sobre o Judiciário. Procurem no meu blog o que escrevi quando grupos de esquerda pressionaram o tribunal por causa da demarcação de terras indígenas ou do Código Florestal. Eu não tenho um peso e duas medidas. Sou liberal, da direita democrática, bato duro nas coisas de que não gosto e repudio a baixa política e o "duplipensar", de que falou George Orwell em "1984".

Distanciamento
Sim, é verdade, houve um claro, evidente e inconciliável distanciamento entre as minhas posições e a de grupos que lutaram em favor do impeachment.

A data de referência é 13 de fevereiro do ano passado, quando escrevi quatro posts criticando alguns daqueles grupos por convocar um ato contra o governo Temer, pautados pelo Ministério Público Federal e pela Lava Jato. Os textos:
– Revolução dos Idiotas 1: PT faz direita xucra zurrar de prazer (aqui);
– Revolução dos Idiotas 2 – Esquerda exige direita xucra nas ruas   (aqui);
– Revolução dos Idiotas 3 – Discurso da Lava Jato absolve o petismo (aqui);
– Revolução dos Idiotas 4 – Revolução dos Idiotas 4 – Xucros pavimentam volta das esquerdas (aqui)

Os títulos falam por si. E recomendo que leiam o texto para saber que não escrevo nem por impulso nem movido por interesses da hora.

Estava muito claro para mim que a sanha da Lava-Jato contra a política e todos os políticos acabaria por ressuscitar as esquerdas e o PT. Quatro dias depois, escrevi uma coluna na Folha que traz uma frase que já virou história: "Se todos são iguais, Lula é melhor".

Lula e o PT foram ressuscitados. O teor "liberal" dos movimentos pró-impeachment adernou para o que considero uma direita reacionária e atrasada, com exceções aqui e ali. Os princípios, em tendo existido algum dia, cederam a um oportunismo pedestre, que não foge muito da vulgaridade a que a esquerda petista já havia se entregado antes. Opostos e combinados. Lados contrários, com moral idêntica.

Nada disso me interessa. Nos quatro textos que vão acima, há algumas antevisões. Cotejem o que escrevi há 14 meses com o que temos hoje.

Concluindo
Há, sim, alguns que se querem liberais e que aderem à luta contra o habeas corpus e em desfavor de um dispositivo constitucional. Que liberalismo é esse? Nenhum! Porque não se pode ser liberal assim. Não que exista uma cartilha, com um conteúdo fechado, sobre o que é e o que não é ser um liberal. Mas ainda não conheci nenhum que devesse ser levado a sério que pregasse o desrespeito ao contrato.

E o maior e mais importante contrato que se tem na democracia é a Constituição.

Essa é a minha toada. Essa é a minha praia. Essa é a minha turma.

"Ih, só ficarão você e mais uns três".

Grande coisa! Não me queixava de solidão nos anos de ouro do petismo. Eu estava certo. Desconfio de que esteja certo hoje também. Meu credo é o mesmo. Minhas escolhas são as mesmas. Meus valores são os mesmos.

E, como sabem todos, não disputo o poder.

Cobro civilidade e respeito às regras do jogo.

Ah, sim: quando antevi a ressurreição de Lula e do PT e dei umas pancadas na Lava Jato, alguns daqueles grupos saíram a vociferar nas redes: "Reinaldo está louco; agora virou defensor do Temer…"

Pois é…

Como é mesmo o lema adaptado do protesto? "Ou você vai, ou ele volta".

É mesmo?

Bingo!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.