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Reinaldo Azevedo

Lula é um político preso numa democracia assediada pelo ódio à democracia na pele de ódio à corrupção e severo amor à Justiça

Reinaldo Azevedo

09/04/2018 07h19

No post acima, trato dos momentos em que sociedades democráticas podem ser assaltadas por um "ente de razão", uma força superior e abstrata com capacidade de submeter a realidade a seus desígnios, eliminando nuances e impondo-se com a força de uma ditadura que se pretende do consenso.

Sim, senhores! O PT já pretendeu essa condição fantasmagórica. E quase chegou lá, com o apoio de boa parte da imprensa que hoje esculhamba o Lula que já dormiu duas noites na cadeia, nesta sua segunda jornada em um presídio. Quanto eu escrevia sobre o PT buscando se constituir como o Moderno Príncipe gramsciano, quando apontava o aparelhamento a que o partido submetia o Estado, quando denunciei a reforma política que ele havia desenhado — com a ajuda, diga-se, de Roberto Barroso —, era visto por alguns como um lunático. Antipetistas profissionais e remunerados de hoje ou trabalhavam para o partido ou para quem trabalhava para o partido.

O Brasil deixou de ser democrático nos 13 anos em que foi governado pelo PT, em especial nos oito anos do reinado lulista, que teve neste escriba um crítico quase solitário? A resposta, obviamente, é "não". Mesmo alguns veículos de comunicação que hoje resolveram impor a linha justa no combate ao PT e na defesa da prisão de Lula, viviam, então, em lua de mel com um petismo que, segundo se dizia, havia aderido aos valores da democracia.

Muito bem! Hoje, o "ente" que pretende ser o condutor espiritual e pai severo da República se chama Ministério Público, em associação com a Polícia Federal e fatias consideráveis do Judiciário, com ecos eloquentes no Supremo. São as forças que chamo "Partido da Polícia". E sabem quem lhes deu tamanha projeção e autonomia? O PT! O partido as queria como aliadas na perseguição a seus adversários. Era assim desde os tempos em que Rodrigo Janot integrava a ala do MPF que era umbilicalmente ligada ao PT e buscava desestabilizar o comando do próprio MPF. Foi Lula quem entregou a um sindicato, a Associação Nacional dos Procuradores da República, a tarefa de eleger o procurador-geral.

Não! Lula não é um preso político porque não foi encarcerado por suas opiniões ou porque resolveu enfrentar uma ditadura. Isso acontece em países cujos governos são amigos do PT, como Cuba ou Venezuela, por exemplo. Não reconhecer, no entanto, que o ex-presidente está submetido a um processo que caminha em ritmo de exceção corresponde a ficar cego para o óbvio só porque Lula é Lula e porque, afinal, "a Lava Jato estaria operando um trabalho de saneamento na política".

Ignorar que essa excepcionalidade chegou ao Supremo e ficou sob administração de Cármen Lúcia, que manipulou pauta e calendário para acelerar a prisão do ex-presidente corresponde, também, a ignorar a realidade por motivos que se podem dizer, vá lá, quase-ideológicos. Só não chegam a ser ideológicos propriamente porque a Lava Jato ainda não tem desenhado o seu "mundo como ideia", para empregar uma expressão do genial poeta Bruno Tolentino, que escreveu um livro com esse título.

Talvez a Lava Jato tenha, sim, o seu mundo como ideia: de um lado, estão os puros, que são anjos vingadores, com a espada flamejante nas mãos, cercados por querubins meio enfezadinhos, os jornalistas, e, de outro, estão os círculos do inferno para os pecadores. Não há entre essas instâncias nem um prudencial Purgatório…

Lula é um preso político? Não! Lula é um político preso de uma democracia assediada pelo ódio à democracia disfarçado de ódio à corrupção e amor à Justiça. O que dizer quando a imprensa, num regime democrático, não tem a coragem de fazer a defesa de uma Constituição democraticamente votada?

Há algo de profundamente errado em assaltar os cofres públicos. Mas é profundamente errado — e, no longo prazo, ainda mais desastroso — assaltar a institucionalidade.

Para encerrar: eu não precisei que alguém provasse que havia ladrões no PT para combater o partido. Quando não havia nenhuma evidência criminal contra a legenda, ela já não me servia. Porque, em essência, ela não aceitava a democracia. A exemplo da Lava Jato. Só certa delinquência disfarçada de liberalismo não vê ou finge não ver o óbvio porque ocupada com seus próprios interesses eleitorais.

E Lula preso, afinal, é, para muitos, um ativo eleitoral.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.