Topo

Reinaldo Azevedo

Maioria dos ministros do STF pode pôr ordem na Casa nesta 5ª, e prisão após 2ª instância poderá ser votada pelo tribunal

Reinaldo Azevedo

14/03/2018 23h37

Alguém informe à ministra Cármen Lúcia que Justiça que enxerga é Justiça cega. No caso, enxerga não as leis, mas quem está na fila das punições...

A defesa de Luiz Inácio Lula da Silva entrou com um novo pedido no Supremo, desta vez para tentar impedir que o ex-presidente seja preso antes que o tribunal tome uma decisão de mérito sobre a execução da pena depois da condenação em segunda instância, o que vai acontecer quando o tribunal julgar duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade — aí, sim, com efeito vinculante — que tratam do assunto. O relator é o ministro Marco Aurélio. Em dezembro, ele liberou a matéria para votação. Cármen Lúcia, no entanto, se nega a pautar o tema porque diz que isso corresponderia a ceder a pressões. Há ainda o pedido de habeas corpus preventivo, que está na raiz no novo pedido da defesa, que até pode ser vencido pelos fatos. Falo sobre o pedido em outro post.

À diferença do que sugere Cármen, a pressão para votar as ADCs não vem de fora, mas de dentro do tribunal. Há um inconformismo crescente de ministros legalistas — por mais estranha que a expressão possa parecer — para que o tribunal cumpra a sua obrigação e vote o que tem de ser votado, pouco importando se o resultado atende às expectativas de A, B ou C. Fato: se Marco Aurélio assim decidir e se tiver o apoio da maioria dos 11 que compõem o colegiado, ele consegue pôr em votação as ADCs, ainda que essa não seja a vontade de Cármen. E isso pode acontecer ainda nesta quinta-feira. Talvez a ministra até se sinta aliviada, não é? Ela se livraria dos incômodos decorrentes dessa situação surrealista e ainda posaria na foto como aquela que não deu mole pra Lula. Atende às expectativas daqueles que admiram nela a sua resistência em seguir as regras do jogo. Que tempos estes!

Notem: ninguém sabe qual vai ser o resultado da votação das ADCs, ainda que haja plausibilidades. Na votação do Agravo em Recurso Extraordinário de 2016 — com repercussão geral, mas sem efeito vinculante —, o placar foi seis a cinco em favor da execução provisória da pena, isto é, logo depois da condenação em segunda instância. Nota: o tribunal autorizou a dita execução, mas não a impôs. Formaram a maioria os ministros Teori Zavascki, Joaquim Barbosa, Roberto Barroso, Luiz Fux, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Foram votos vencidos Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Rosa Weber.

Barbosa renunciou e, em seu lugar, entrou Edson Fachin. Zavascki morreu e foi substituído por Alexandre de Moraes. Os que entraram têm a mesma posição dos que não estão mais no tribunal. Os cinco então vencidos que entendiam, como entendo, que a Inciso LVII do Artigo 5º não permite a prisão antes do trânsito em julgado — isto é, da decisão da terceira instância — permanecem na Casa. Logo, em tese ao menos, a votação agora de mérito, pra valer, com efeito vinculante, poderia repetir o mesmo placar de 6 a 5 de há dois anos.

Ocorre que há especulação e mesmo alguns sinais de que Mendes, ao decidir a questão de mérito — e não o caso em particular — possa votar contra a execução provisória da pena. Ele já deu a entender que poderia seguir a posição manifestada em 2016 por Dias Toffoli de que, ao menos, a confirmação da condenação pelo STJ de faz necessária.

E isso, lamentavelmente, explica a absurda posição de Cármen Lúcia, que é ainda pior do que parece, como explicarei em outro post. É claro que a votação interessa a Lula — mas não só a ele. Ocorre que as ADCs antecedem em muito o debate sobre a prisão do ex-presidente. É de um casuísmo intelectualmente vigarista tentar atrelar o destino das duas ações ao "prende/não prende Lula". Um tribunal não tem de olhar quem está na fila da cadeia para tomar uma decisão.

Até porque, sejamos claros e explícitos, caso houvesse a certeza de que se confirmaria, em ação com efeito vinculante, a prisão após a condenação em segunda instância, dona Cármen já teria posto a matéria para votar antes mesmo de apreciar o habeas corpus preventivo, e ainda diria: "Não cedo a pressões".

Espero que seis ministros do Supremo decidam pôr ordem na Casa. Não para soltar ou para prender Lula. Mas para resgatar a independência do tribunal — que, reitero, não tem de olhar quem está na fila da cadeia.

Justiça que enxerga, nesse caso, é Justiça cega.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.