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Reinaldo Azevedo

Marcelo Rubens Paiva ironiza Reinaldo e Gilmar como ‘ídolos da esquerda’. Liberal é ET para autoritários de esquerda e direita

Reinaldo Azevedo

07/04/2018 06h04

Marcelo Rubens Paiva, sabidamente de esquerda, escreveu a seguinte mensagem no Twitter, reproduzindo a imagem da minha coluna na Folha desta sexta, em que afirmo que Lula está sendo vítima de um processo de exceção:
"Reinaldo Azevedo e Gilmar Mendes, os novos ídolos de ala da esquerda".

Paiva é de esquerda.  Trata-se de uma ironia. Ele se refere a "ala da esquerda", deixando claro que se inclui fora dessa.

Ele me lê faz tempo. Em 2011, escrevi um post no blog intitulado "Eu sou o John Malkovich de Marcelo Rubens Paiva". Por quê? Ele concedera uma entrevista à revista "TPM" em que se declarava cada vez mais esquerdista e em que dizia ser, em seu blog, "o Reinaldo Azevedo da esquerda". Tomei até como elogio. Ninguém declara querer ser um outro, ainda que pelo avesso, sem certa admiração.

No post cujo link vai acima, escrevi:
"Não se pode ser Reinaldo Azevedo, Marcelo, indo a favor da correnteza. É por isso, por exemplo, que eu não poderia ser um Marcelo Rubens Paiva de direita."

É claro que a coisa tem a sua graça e que não ignoro que leitores de esquerda passam adiante meus textos quando afirmo que Lula foi condenado sem provas. Isso é diferente de ser inocente como condição, digamos, imanente. É que sou um democrata liberal, não um fascista de esquerda ou de direita. A culpa que importa, para efeitos de punição aplicada pelo Estado, é aquela formada mediante prova.

Para a esquerda, sempre bastou a "culpa política" para mandar fuzilar; a extrema-direita se satisfaz com a "culpa moral". Este criado de vocês exige a prova e a condenação transitada em julgado, ou a pessoa "é considerada inocente". Punir com provas ou sem provas distingue civilização de barbárie. Ocorre que fascistas de direita e de esquerda sempre acreditaram na barbárie redentora. Eu não! Pobre conservador que sou, aposto em reforma, não em revolução.

Até entendo…
Obviamente é um exagero, cuja ironia pode ser aperfeiçoada, a afirmação de que Gilmar Mendes e eu viramos "ídolos de ala da esquerda". Mas posso entender quando esquerdistas que não aderiram ao fim do mundo, à luta armada ou ao terrorismo chegam a nos citar como referência, ainda que isso possa vir acompanhado de um  "Até Gilmar e até Reinaldo…" Afinal, fica difícil a esquerdistas colher em seu próprio terreno alguma racionalidade.

Quem eles poderiam citar ou passar adiante? Vladimir Safatle? Em sua mais recente coluna na Folha, o rapaz escreveu:
"Diante disso, continuar a apostar em uma democracia farsesca, contar votos no STF, acreditar em um Estado Cínico de Direito é só uma maneira de impedir a reflexão sobre as verdadeiras ações para esse novo período no qual conciliação alguma faz mais sentido."

Supõe-se haver uma "democracia não-farsesca", que é a de Vladimir. Supõe-se haver outro modo de lidar com o STF, que é o de Vladimir. Supõe-se haver um "estado de direito não-cínico" — é o de Vladimir, claro! E, descobrimos, há "as verdadeiras ações para esse novo período". E, por obvio, Vladimir as conhece. E, como alerta Vladimir, "conciliação alguma [O CERTO É ESCREVER "CONCILIAÇÃO NENHUMA", PROFESSOR] faz mais sentido".

Vale dizer: o Vladimir, que é Safatle, está convicto de que é Vladimir, o Lênin. Nesta sexta, esquerdistas puseram em prática sua receita: bateram em jornalistas, fecharam estradas, esculacharam o prédio em que Cármen Lúcia tem um apartamento. Nada de conciliação, democracia, estado de direito, esses truques… O negócio é porradaria.

Não faz tempo, André Singer, outro medalhão de esquerda, também sugeriu que o erro do PT foi a acomodação à democracia. É o mesmo pensador que afirmou que não iria debater a condenação de Lula porque isso seria matéria para especialistas…

Desespero
Talvez Paiva esteja certo se identifica certo desespero na esquerda que passa adiante o que afirmam "Gilmar e Reinaldo". Ele nunca teve perfil de esquerda. Eu, há muito, deixei essas coisas, rsss. Os pressupostos meus e do ministro, parece-me, são identificados com os de uma democracia liberal, aquela de que tratei há pouco, em que só se condena com provas e segundo dispõe o devido processo legal.

Talvez uma "ala da esquerda" se apegue a isso porque esse é o único caminho que pode garantir a Lula um julgamento justo. Os esquerdistas que os petistas mandaram para o Supremo lá chegaram sem esse DNA. A exemplo de Safatle, um Roberto Barroso e um Edson Fachin entendem perfeitamente o que quer dizer o combate ao "Estado Cínico de Direito". Tanto é assim que nem um nem outro acreditam na Constituição. Chegaram lá em razão de uma militância contra os valores nos quais eu acredito, nos quais, parece-me, acredita Mendes…

Ocorre que o PT e Lula caíram em desgraça. E os togados de esquerda, que acreditam na "culpa política", logo descobriram que o valor da hora é punir as "culpas morais". E Lula que se dane. Já virou carne queimada.

Sim, Marcelo Rubens Paiva — tenho consciência, e suponho que o ministro também — de que os petistas não fariam por nós o que, na prática, gostemos ou não, acabamos fazendo por Lula. Sei que deixo a direita enfurecida — campo que, em tese, é mais poroso às minhas ideias — quando afirmo que Lula foi condenado sem provas e está sendo vítima de um processo de exceção. Essa mesma direita é tomada de ira santa porque Mendes vota a favor de um habeas corpus para o ex-presidente.

Por que é assim? Falo por mim, não pelo ministro, mas creio que ele endossaria a explicação: é assim porque temos vergonha na cara e advogamos para aqueles de cujas ideias e práticas discordamos as leis e normas que devem reger e proteger o conjunto dos brasileiros. Petistas já deram demonstrações de que nos entregariam às cobras sem pestanejar se isso fosse útil à sua causa.

Calma!
Marcelo Rubens Paiva pode ficar tranquilo. Nem quero lhe roubar o público nem fazer parte da turminha. Bastará que eu escreva, como já fiz, diga-se, que Rodrigo Janot não apontou em sua denúncia contra Aécio Neves onde está a corrupção passiva, e os "companheiros" de Marcelo cairão de pau em mim. Porque, por óbvio, para eles, eu acerto quando digo não haver provas contra Lula, mas sou um tucano incorrigível se afirmo que o então procurador-geral se esqueceu de apontar a conduta criminosa do senador. E logo outro emendará, com profundidade idêntica: "Tá vendo? Ele falou aquilo sobre o Lula só para poder, depois, defender o Aécio".

O raciocínio é asnal porque, estivesse certo, o mundo ficaria, então, assim dividido: eu, que, na cabeça dessa gente, sou tucano, defendo os do meu lado; eles, que são de esquerda, defendem os do seu. Afinal, como diria Safatle, esse negócio de estado de direito é puro cinismo. E apostar na democracia é uma inutilidade.

Para um fascista de esquerda ou de direita, não há bichos mais estranhos, mas exóticos e, a seus olhos, mais incompreensíveis do que os liberais. É por isso que, para citar os extremos da caricatura trágica, Hitler e Stálin concordavam que éramos nós os verdadeiros inimigos de suas respectivas utopias. E, por óbvio, eles estavam certos nesse particular.

PS: Obviamente, Marcelo não é um fascista. Mas nem por isso um liberal é lhe é menos estranho

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.