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Reinaldo Azevedo

Mercado se assusta com fala de Bolsonaro sobre Eletrobras e Petrobras. Não entendi por quê. O que fazia a turma supor que ele fosse liberal?

Reinaldo Azevedo

10/10/2018 17h08

O Bolsonaro liberal é uma mentira que a vaidade do Mercado quer

Prestem atenção a esta metáfora:
"Suponha que você tem um galinheiro no fundo da sua casa e viva dele. Quando privatiza, você não tem a garantia de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia nas mãos de terceiros?"

Foi assim que Jair Bolsonaro descartou, em entrevista à Band, a privatização ou a venda de ativos do setor de geração de energia elétrica. Também afirmou querer manter nas mãos do Estado "o miolo" da Petrobras. As declarações provocaram forte queda nas ações da Eletrobras e acentuada nas da Petrobras.

O candidato é partidário da tese de que a China não quer comprar "no Brasil", mas comprar "o Brasil". Sua mentalidade não difere muito daquela do que podemos chamar "estamento militar" brasileiro, fortemente marcada pela defesa dos "interesses nacionais" e ela suposição de que existe um movimento internacional, do capitalismo apátrida, interessado em tomar nossas riquezas. Nos últimos tempos, essa suposição vem acompanhada pela tese conspiratória de que o comunismo internacional se associa a esse capitalismo transnacional para dominar os países. Não fica claro onde estaria o centro dessa arquitetura macabra.

O mercado se decepcionou. A Bolsa caiu, o dólar subiu. Estamos apenas de volta às origens. Paulo Guedes é um liberal a seu modo; Bolsonaro nunca foi. Eu, que não mando nada, gosto de privatizações. O candidato do PSL nunca gostou. Suas opiniões a respeito nunca foram diferentes das do PT. Qual é a dificuldade em reconhecer que o grande derrotado nas eleições de 2018, meus queridos, foi o liberalismo?

Bolsonaro diz querer privatizar, sim, as empresas que dão prejuízo. Esse é um dos mantras do estatismo, também do de esquerda. Não se privatizam isso ou aquilo apenas porque a conta está no vermelho — até porque, a depender do setor, não há com ficar no azul: trata-se de gasto social e pronto. É privatizando o que dá lucro que se conseguem os maiores ágios e que se atraem capitais em volume significativo. E eles fazem a diferença nos investimentos e fazem girar a roda da economia.

Como cantaria Cazuza, o "Bolsonaro liberal é uma mentira que a vaidade do mercado quer…". Mas não existe de verdade.

Diz ainda Bolsonaro: "Para mim, energia elétrica, a gente não vai mexer. Até converso com o Paulo Guedes (guru de economia do candidato). O que deu errado lá? É indicação política, que leva à ineficiência e à corrupção."

Pode ter havido roubalheira também, candidato. Ainda que seja assim, não é a verdade. Houve incompetência. Dilma Rousseff quebrou o setor elétrico quando decidiu manipular os preços da energia por intermédio, entre outras barbaridades, da antecipação da renovação de concessões. A decisão estúpida trouxe encargos, como a indenização de investimentos que ainda não tinham sido amortizados e compensações tarifárias. Quebrou. O governo Temer, saco de pancada da esquerda e da extrema-direita, consertou o estrago com a MP do setor elétrico.

O Artigo 176 da Constituição regula a questão. Lá esta escrito:
Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

  • 1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o "caput" deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.
  • § 2º É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.
  • 3º A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.
  • 4º Não dependerá de autorização ou concessão o aproveitamento do potencial de energia renovável de capacidade reduzida.

Inexiste, pois, a hipótese de estrangeiros, nessa área, se apoderarem das chamadas riquezas nacionais. Isso remete a teorias conspiratórias, que embalam a direita e a esquerda, segundo as quais a infraestrutura brasileira, junto com a Amazônia, está em franco processo de internacionalização.

Petrobras
Sobre a Petrobras, Bolsonaro deu a entender que não mexeria no atual marco do pré-sal, mas a fala foi um tanto confusa:
"Arrebentaram com a Petrobras. E daqui, 20, 25, 30 anos, a energia será outra. O refino dá para privatizar, mas mesmo privatizando algumas coisas tem que ver o modelo. A exploração você tem que abrir… Nós temos tecnologia, mas não temos recurso para explorar." Mais adiante: "Cada litro refinado de diesel custa 90 centavos, não sei se é verdade. E depois a Petrobras bota 150 por cento de margem de lucro e revende, aí vai para o Brasil, você bota em média 30 por cento do ICMS. Ninguém aguenta. Você tem que diminuir a carga tributária".

E nesses supostos "150 por cento de margem de lucro" que reside o susto do mercado com a Petrobras em particular. Nem o tráfico de drogas rende um lucro dessa ordem. Obviamente, essa conta está errada. Mas sobrou a suspeita de que o governo, se Bolsonaro for eleito, vai querer controlar o preço dos combustíveis com regras que não a da variação dos preços no mercado internacional — como, aliás, faria e fez a esquerda.

Sim, candidato, arrebentaram a Petrobras. Mas, creia, a roubalheira não contou muito. O pior, no caso, foi a manipulação dos preços dos combustíveis.

Cuidado
Bolsonaro e seus homens, como se nota, acercam-se da coisa pública como se nada houvesse antes de dele. Nesse particular sentido, têm um discurso parecido com o de Lula em 2003. Chamo a atenção, no entanto, para o fato de que uma coisa era o discurso de Lula; outra, distinta, o que ele fazia. Foi absolutamente reverente à herança deixada por FHC, embora a chamasse de "maldita".

Quem realmente achou que poderia recomeçar o mundo e levou a ideia adiante foi Fernando Collor. Também ele tinha, inclusive, o seu próprio partido. Deu no que deu. Ontem, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), um dos homens fortes do bolsonarismo, descartou retomar a reforma da Previdência ainda neste ano. Não creio mesmo que haja condições para tanto. Mas, ao se referir à proposta elaborada pelo governo Temer, ele a chamou simplesmente e sem maiores detalhes, de "porcaria".

Sim, Bolsonaro votou contra.

O candidato pode se eleger presidente da República daqui a 18 dias. Está na hora de tomar mais cuidado com as coisas que fala.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.