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Reinaldo Azevedo

Minha pergunta a Bolsonaro e fúria da turba 2: Se ele nada sabe sobre questão crucial para o país, quer ser presidente para virar um bedel?

Reinaldo Azevedo

19/08/2018 05h13

Confesso que fiquei surpreso ao constatar que Jair Bolsonaro não tem a menor noção sobre a dívida Interna, que era o tema da minha pergunta. Sua resposta à minha pergunta o evidenciou com uma clareza solar. Eu a reproduzo:
"Cabe, sim, ao presidente da República. São números absurdos. Os meus economistas dizem que tem solução, mas que será muito difícil atender a essa meta e… propostas: redução do tamanho do Estado; privatizações; abrir o comércio com o mundo todo; deixar de lado o viés ideológico; facilitar a vida de quem quer abrir uma empresa no Brasil, que é um sacrifício abrir empresa no Brasil — a quantidade de papéis é simplesmente absurda; diminuir os encargos trabalhistas; fazer com que empregados e patrões sejam amigos, e não inimigos, e deixemos de assistir a essa briga enorme nos tribunais tendo em vista a legislação, a CLT".

Bolsonaro falou bem devagar, segundos intermináveis entre as palavras. Foi o minuto mais longo de sua vida. Não fiz uma pergunta para derrubá-lo. Eu queria realmente entender. Tanto é que pedi que Ciro comentasse a resposta porque o pedetista tem insistido na questão dos encargos da dívida interna. Por delicadeza, estratégia — incompreensível se for… — ou piedade, o candidato do PDT fingiu que Bolsonaro deu uma resposta coerente, ainda que errada. A verdade inescapável é que Bolsonaro não sabe o que é a dívida interna, como ela se forma, qual é o eu tamanho, o que é rolagem, o que é pagamento de juros… Está na Câmara há 28 anos e não aprendeu o básico.

Convenham: seu reacionarismo em temas relativos a comportamento, costumes, cultura não implica a sua estupenda ignorância em economia. Dá para ter um presidente da República que poderia ser trapaceado por seu ministro da economia se este houvesse por bem fazê-lo?

Claro! Encarregar-se da dívida interna seria mais uma das atribuições de Paulo Guedes, seu posto Ipiranga. Sim, digamos que seu "superministro" fosse o encarregado de lidar com questão tão delicada. Mas vai seguir, supõe-se, a orientação do presidente da República, não? Ou será Guedes a mandar em Bolsonaro se este for eleito?

Sou transparente com meus leitores, ouvintes, telespectadores, internautas… Eu não apostava que Bolsonaro pudesse dar uma resposta brilhante, inequívoca, clara… Mas também não esperava ver um candidato aparvalhado, como se eu o estivesse obrigando a recitar um poema em búlgaro antigo. Até porque foi o búlgaro antigo dilmiano, em matéria de economia, que nos conduziu ao abismo.

Se Bolsonaro não sabe nada a respeito de um dos problemas fulcrais do Brasil que aí está, quer ser presidente para quê? Para ser bedel de escola? Para ficar batendo boca com os defensores da "ideologia de gênero"? Para impedir os moleques de brincar de boneca? Para combater o comunismo? Para nos livrar das agressões do Foro de São Paulo? Para distribuir portes de armas (e escreverei um post sobre esse tema em particular)?…

Vamos fazer de conta que essas coisas fossem relevantes no Brasil contemporâneo… Seriam elas a definir o nosso rumo? Ora, chamo esses temas, e sem ofensa aos profissionais do palco, de "problemas de programa de auditório". Responder ao explosivo endividamento interno é uma das tarefas prioritárias do próximo presidente. E não! Eu não quero falar com Paulo Guedes a respeito desse assunto. Guedes não tem voto. Guedes não precisa de impeachment para ser demitido. Guedes, se ficar de saco cheio, pode pegar o boné e viajar mundo afora à procura de novas emoções…

A questão que fiz cabe a um candidato à Presidência. E eu a fiz a todos os presidenciáveis que aceitaram o convite para me dar uma entrevista no programa "O É da Coisa": Henrique Meirelles (PMDB), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Guilherme Boulos (PSOL). O convite foi feito a Bolsonaro. Ele recusou.

Se a gente se cruzar em outro debate ou programa de entrevista, e se ele continuar como um dos favoritos, eu o indagarei de novo sobre economia. Vamos ver? A minha segunda pergunta foi a Ciro, com comentário de Geraldo Alckmin. Lembrei a progressiva queda do peso da indústria no PIB, o que leva consigo as vagas mais bem-remuneradas e nos torna notáveis exportadores… de empregos. Há alguma resposta que não seja fechar a economia e premiar a ineficiência? Se Bolsonaro estiver no primeiro time dos "com-votos", quero saber o que ele acha sobre esse assunto.

Havia oito candidatos presentes. Fiz a Bolsonaro uma pergunta que seria compreendida por seis deles, ainda que dessem respostas distintas — a maioria, aposto, errada. Mas só a Bolsonaro e a Daciolo a minha fala pareceu vazada em búlgaro antigo.

E eu não falo búlgaro antigo.

Se pergunto a um candidato como equacionar a dívida interna e ele me responde que isso se resolve, como brincou um amigo, "fomentando o happy hour na firma entre patrões e empregados", que culpa tenho eu?

A pergunta é minha. A ignorância é de Bolsonaro.

Ou será que eu lhe perguntei onde fica Funafuti?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.