Minha pergunta a Bolsonaro e fúria da turba 1: Fiz uma indagação sobre dívida interna, não sobre morte de Odete Roitman e Salomão Ayala
As hostes bolsonaristas nas redes sociais estão furiosas comigo. Só não me chamam de santo. Não que seja estranho. Seus estrategistas, conselheiros e puxa-sacos — entre os quais há jornalistas — estão convencidos de que o caminho rumo à vitória é mesmo a solidão coletiva dos sectários — vale dizer: ele quer se fazer presidente contra os outros candidatos, o que é do jogo; contra os partidos políticos; contra o Congresso e, acima de tudo e de todos, contra "a imprensa", como se esta fosse um monólito sem divergências.
Pertenço à imprensa. Logo, pouco importa o que eu pense, eu também não prestaria por princípio. Seria tucano, peemedebista ou petista — às vezes, uma soma dos três. Logo vão descobrir meu viés psolista. A menos que eu me ajoelhe aos pés daquele a quem chamam "mito", sou inimigo. Bolsonaro é o verdadeiro "Deus vivo" do Cabo Daciolo. Nota à parte: nesse particular, isso a que se chama "bolsonarismo" não difere em nada do petismo, a despeito das diferenças de origem, valores, ideologia, história etc. Como é sabido, antes mesmo de chegar ao poder, em 2003, Lula deixou claro que todos seriam bem-recebidos em suas hostes desde que fizessem a genuflexão.
Há outras correspondências: a truculência dos bolsonaristas nas redes chega a ser superior à havida no auge da virulência dos petralhas, quando o poder petista parecia mais eterno do que os diamantes. As táticas fascistoides nas redes sociais se igualam. A ligeira diferença está na bibliografia. Os esquerdistas, ainda que mal lidos, leram alguma coisa. A turma de Bolsonaro parece achar que livro é coisa para veadinhos…
Mas por que a fúria comigo? Porque eu fiz ao candidato que ainda lidera as pesquisas — quando Lula não aparece entre os postulantes — uma pergunta simples e clara sobre a relação entre encargos com a dívida pública e o Orçamento. Uma pergunta, convenham, elementar, básica, trivial até. Consegui não estourar o tempo exíguo, o que, no meu caso, é um milagre… Usei 26 segundos dos 30 a que tinha direito — no vídeo, a partir de 57min17s. Busquei a clareza máxima. Notem que até evito a terceira pessoa do presente do subjuntivo do verbo "concernir" porque a palavra "concerna" me pareceu na hora pedante, incompreensível ao interlocutor. Troquei por "diga respeito". Reproduzo a minha pergunta por escrito:
"Candidato Jair Bolsonaro, o Orçamento de 2017 foi da ordem de R$ 2,56 trilhões. Perto de 50%, talvez um pouco mais disso, são encargos da dívida: rolagem e uma parte de juros, que o Brasil não paga; o Brasil capitaliza juros, não está pagando. Que resposta o senhor tem para isso, ou isso, na sua opinião, não é um problema que concer… [ QUASE MANDO UM CORRETO "CONCERNA", MAS RESOLVI SER MAIS CLARO] que diga respeito ao presidente da República?"
E pedi que o comentário fosse feito por Ciro Gomes porque o pedetista é quem mais tem tratado do explosivo endividamento interno.
Respondam-me:
1: há aí alguma tentativa de ser "engraçadinho"?;
2: fiz alguma pegadinha?;
3: pedi a Bolsonaro que detalhasse a composição da taxa Selic?;
4: indaguei se ele se lembrava do, sei lá, Teorema de Pitágoras, para ser manso?;
5: quis saber de que país a cidade de Funafuti é a capital?;
6: perguntei qual era a terceira pessoa do presente do subjuntivo de "concernir"? indaguei-o sobre verbos defectivos?;
7: pedi que desse detalhes sobre a formação da TJLP?;
8: coloquei-lhe numa roubada inquirindo-se se ele sabe em que órgão se produz a maior quantidade de serotonina?;
9: apelei à sua memória com a complexa questão dos pontos cardeais?;
10: fui na sua jugular, indagando se ele se lembrava dos nomes dos assassinos de Odete Roitman e Salomão Ayala?
Não! Fiz uma pergunta elementar a quem quer ser presidente da República.
Com a possível exceção de Cabo Daciolo — "possível", dado o conjunto da obra, mas não posso asseverar porque a pergunta não lhe foi dirigida —, todos os presentes ao debate da RedeTV! sabiam o que são termos como:
– orçamento;
– divida pública;
– rolagem da dívida e
– juros.
Sabiam e tinham noção ao menos de como essas coisas se conjugam. E, por óbvio, dariam respostas diferentes. Pegue-se, entre os presentes, um candidato com muito menos votos do que Bolsonaro, segundo as pesquisas: Guilherme Boulos. Talvez ele desse uma resposta que, se posta em prática, conduzisse o país ao abismo. Mas certamente não reagiria com a expressão de quem ouvisse a pergunta: "Funafuti, candidato, é a capital de que país?"
"Então por que você não dirigiu essa pergunta a Boulos, Reinaldo Azevedo?"
Porque eu não acho que exista a possibilidade de ele se tornar presidente da República, ora! Não nessa eleição. Já o sr. Jair Bolsonaro lidera as pesquisas quando Lula não aparece na lista de candidatos. Logo, uma questão crucial para o país — a mais importante no que respeita à macroeconomia — tem de ser respondida por quem aparece como um "grande na disputa".
"Mas e a Wal do açaí? E a questão de gênero? E o Foro de São Paulo?" Bem, eu e o público já sabemos o que Bolsonaro pensa sobre essas coisas. Aliás, ele as evoca a toda hora. Se eu lhe perguntasse: "O senhor se lembra da fórmula do Teorema de Pitágoras?", ouviria, junto ou não com o "a² + b² = c²", que ele quer uma escola sem partido, sem ideologia de gênero, que não ensine um garoto a brincar de boneca…
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