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Reinaldo Azevedo

Na letra fria da lei, nada há que impeça mandado coletivo, mas, é fato, os textos são ambíguos. Que se mude, então, a lei!

Reinaldo Azevedo

20/02/2018 16h54

Será que a lei brasileira permite o mandado coletivo de busca e apreensão? Será a que a lei brasileira permite uma denúncia sem a devida individualização das condutas? Acho que se está fazendo uma tempestade em copo d'água. Vou reafirmar aqui o que já disse em programa de rádio: uma ação obviamente excepcional, como a intervenção no Rio, será de se fazer acompanhar de mudanças na legislação. De saída, noto que é uma verdade parcial afirmar que os bandidos se escondem em moradias que, para efeitos legais, não são domicílios, sem endereço conhecido, a exemplo do que ocorre nas favelas e das zonas periféricas. Para dizer a verdade inteira, é preciso constatar: eles se escondem principalmente nos artigos 41, 240 e 243 do Código de Processo Penal.  As leis que definem esses artigos, embora não impeçam o mandado coletivo de busca e apreensão, têm de ser mudadas para que se evitem ambiguidades. E em nada se estará ofendendo a Constituição.

Vamos lá. O que diz o Artigo 240 do Código de Processo Penal? Reproduzo:
"Ar. 240 (CPP) – A busca será domiciliar ou pessoal.
1º Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:
a) prender criminosos;
b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;
c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;
d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;
e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;
f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;
g) apreender pessoas vítimas de crimes;
h) colher qualquer elemento de convicção.
§ 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior
.

Como se nota, o texto diz que "a busca será domiciliar ou pessoal", não se admitindo uma outra. Juízes têm driblado a questão aqui e ali apelando a um salto hermenêutico que consiste, com variações, no seguinte: "Ah, ali se define a busca domiciliar ou pessoal; no caso em questão, está-se diante de outra realidade; o acusado, suspeito ou procurado acoitou-se em área que impede que se indique com precisão o local etc…"

Tem sido a exceção. Até porque outro Artigo, o 243 do mesmo CPP, é ainda mais específico:
"Art. 243 (CPP). O mandado de busca deverá:
I – indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
II – mencionar o motivo e os fins da diligência;
III – ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
§ 1o Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca.
§ 2o Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito
."

Chamo a atenção do leitor para o fato de que os dois artigos abrem caminho para o arbítrio do magistrado — e não emprego aqui a palavra em sentido negativo. Afinal, não há lei nenhuma que defina o que quer dizer "fundadas razões" e "o mais precisamente possível". O que impede um juiz, em tese ao menos, de considerar que um quarteirão é "o máximo de precisão possível" se há "fundadas razões" para concluir que o bandido se acoita na área delimitada?

Mas, admito, a questão é controversa. E é perfeitamente legítima a leitura segundo a qual os dois artigos impedem o mandato genérico.

Ora, que se mudem, então, os dois artigos — na verdade, há um terceiro a pedir mudança também: o Artigo 41. Este define:
'Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas."

Quem se utiliza do dito-cujo para cometer crimes impunemente? O MST, por exemplo. Grupos de militantes, mascarados ou não, invadem propriedades, destroem patrimônio alheio, depredam, incendiam, vandalizam… E os doutores do Ministério Público podem se esconder na sua covardia ou no conforto que lhe oferece a lei: " Ah, não foi possível identificar quem fez o quê…" Nesse caso, meus caros, a lei abre uma avenida para o crime, em vez de coibi-lo.

Obviamente, esses artigos do Código de Processo Penal se tornaram obsoletos, ainda que, reitero, na sua letra fria, não impeçam mandados coletivos. Não são mais compatíveis com a realidade. E não se trata, insisto, de criar um "direito penal do inimigo", mas de se investir no direito penal das vítimas que se quedam inermes diante do crime.

Esquerdistas botam os bofes pra fora no Senado, acusando o decreto de intervenção no Rio de perseguir os pobres. Há pouco, a senadora Benedita da Silva (PT-RJ) vociferada, afirmando que pobres não são bandidos. Ora, é claro que não! Quem disse o contrário? Os pobres são reféns dos bandidos. Pergunto: qual é a contribuição efetiva desta senhora para que assim não seja? Que ação concreta ela tomou quando governadora ou que projeto propôs para coibir a ação dos narcotraficantes na favela?

A Constituição
Resta uma questão: será que a Constituição permite que se mudem esses artigos do Código de Processo Penal? A resposta: sim!

O Inciso XI do Artigo 5º assegura:
"XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

Obviamente, o fundamento tem de ser preservado. Mas o que aí vai, convenham, não se choca com mandado coletivo de busca e apreensão desde que a casa esteja numa área, INDICADA COM A MÁXIMA PRECISÃO POSSÍVEL, em que haja "FUNDADAS RAZÕES" para concluir que lá se acoitam bandidos. Até porque vamos convir: os narcotraficantes, os donos dos morros, são os que verdadeiramente cassam dos pobres o direito à "casa como asilo inviolável do indivíduo".

O Artigo 248 do mesmo Código de Processo Penal oferece ainda uma outra garantia:
"Art. 248.  Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência."

Em havendo acusação de abuso, caberá à autoridade judicial definir se o molestamento dos moradores foi "além do indispensável".

No Inciso IX do Artigo 93, a Constituição oferece uma outra garantia:
"IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; "

Assim, corre-se o risco da nulidade processual no caso de não haver a devida fundamentação de um ato praticado pela força coercitiva, com ou sem autorização judicial.

Atenção! Se formos nos ater ao que está na letra da lei e da Constituição — refiro-me à leitura objetiva dos textos —, nada impede o mandado de busca e apreensão coletivo, cabendo ao juiz a decisão em face do caso concreto. Basta ler os textos para constatar que o código legal lhe faculta tal arbítrio. Mas, admito, há margem para controvérsia. Quando é assim, a melhor coisa a fazer é mudar a lei.

De resto, vamos convir: se o bandido descobriu que a geografia, a topografia e a arquitetura de uma favela é um bom lugar para ele se esconder da lei, a lei não tem de ser sua cúmplice, não é mesmo? O objetivo, insista-se, é cassar bandidos e marginais, e não molestar o homem de bem. Este já é molestado pelos marginais.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.