Na República de Janot, peixe grande delata os pequenos. E a questão da “juntada”
Vejam estes dois pedaços de documentos. Já volto a eles.
Nunca se viu Rodrigo Janot tão bravo como na resposta que deu à reportagem da revista "IstoÉ" que traz uma conversa entre dois procuradores da República: Caroline Maciel e Angelo Goulart Villela. Ela aponta o clima de terror vivido no MPF nestes dias pré-eleitorais. Segundo diz, o procurador-geral trata como inimigo os que comporiam a base de apoio de Raquel Dodge, uma das candidatas à lista tríplice da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República).
Bravo e destrambelhado. Saiu acusando conspirações para todo lado. Justo quem, né?
Bem, o fato é que as heterodoxias no Planeta Janot vão das grandes às aparentemente pequenas. Querem ver?
Na conversa com Villela, Caroline diz que ele pode ser um dos alvos do procurador-geral porque é considerado um eleitor de Raquel. Bem, o fato é que foi preso uma semana depois, acusado, vejam vocês, de vazar informações da Operação Greenfield para a turma de… Joesley, que o delatou.
Aliás, em Banânia, os grandes delatam os pequenos.
Isso me lembra um trecho de Sermão de Santo Antônio aos Peixes, de Padre Vieira:
"A primeira cousa que me desedifica, peixes, de vós, é que vos comeis uns aos outros. Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior. Não só vos comeis uns aos outros, senão que os grandes comem os pequenos. Se fora pelo contrário, era menos mal. Se os pequenos comeram os grandes, bastara um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande. Olhai como estranha isto Santo Agostinho: Homines pravis, praeversisque cupiditatibus facti sunt, sicut pisces invicem se devorantes: «Os homens com suas más e perversas cobiças, vêm a ser como os peixes, que se comem uns aos outros.» Tão alheia cousa é, não só da razão, mas da mesma natureza, que sendo todos criados no mesmo elemento, todos cidadãos da mesma pátria e todos finalmente irmãos, vivais de vos comer! Santo Agostinho, que pregava aos homens, para encarecer a fealdade deste escândalo, mostrou-lho nos peixes; e eu, que prego aos peixes, para que vejais quão feio e abominável é, quero que o vejais nos homens."
Os papeis
Agora aqueles papeis. O primeiro é um breve relatório do inquérito 4483, aquele que diz respeito ao presidente Michel Temer. Como se nota, lá está escrito: "Nos autos da interceptação telefônica dos investigados no INQ 4483, houve a juntada das mídias das conversas".
Certo. Houve a juntada.
Agora olhem o documento seguinte, referente ao Inquérito 4489, que diz respeito ao procurador preso, Villela, e ao advogado Willer Tomaz, que também está em cana. Eis aí: foi delatado pelo multibilionário que contratava seus serviços — a delação para cima, não para baixo; a delação do peixe grande que come os miúdos. Por alguma razão, lá se lê: "Nos autos da cautelar de interceptação telefônica referente ao Ângelo e ao Willler, não houve a juntadas das mídias das conversas".
É mesmo?
Por que, às vezes, se faz "a juntada" e, às vezes, não?
O Brasil certamente terá de dar aula de delação ao mundo, não é? Contamos com Deltan Dallagnol, com seu porte "longilíneo" e suas "bochechas rosadas", além dos "óculos de aro fino" para explicar este mistério: por que, na República de Janot, os peixes grandes delatam os pequenos e saem impunes.