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Reinaldo Azevedo

Os sonâmbulos-3: A prova de que algo aconteceu está na imperícia do MPF de provar que algo aconteceu, ainda que fato

Reinaldo Azevedo

13/12/2017 06h27

Sérgio Moro: em resposta a embargos de declaração, ele admitiu uma coisa fofa: o MPF não apresentou provas da denúncia que fez (Foto: Lula Marques/Agência PT)

O TRF-4 deve Julgar o recurso de Luiz Inácio Lula da Silva no caso do apartamento de Guarujá no dia 24 de janeiro, em tempo recorde, como se sabe. De onde vem a minha certeza de que Lula vai ser condenado? Ora, do fato de que se considera evidente que o imóvel é dele, embora não exista prova a respeito. Sim, senhores! Dado esse novo modo de fazer justiça no Brasil, a melhor prova de que algo aconteceu é não haver prova nenhuma, o que só provaria — para não mudar de vocábulo — a culpa de quem culpado já era antes mesmo de ser julgado. Sim, é evidente que os larápios são espertos e sempre buscarão uma maneira de tentar se safar. Mas esse é o papel do criminoso, certo? Cada um no seu quadrado. A tarefa do Ministério Público Federal consiste em produzir as provas das denúncias que faz. E a dos juízes é condenar ou absolver com base nos elementos apresentados ou não.

Assim deveria ser ao menos, mas não é mais. A sentença de Sérgio Moro condenando Lula, que vai ser referendada pelos três desembargadores do TRF4, está aqui. Como poderá constatar qualquer um — E ISSO, CURIOSAMENTE, INCLUI SÉRGIO MORO —, fica claro que o MPF não apresentou as provas da denúncia que fez. Nunca foram levadas a público as evidências de que o tríplex de Guarujá tinha origem em percentual de contratos de obras para a Petrobras tocadas por consórcios integrados pela OAS.  E MORO ADMITIU, EM RESPOSTA A EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, QUE ELAS INEXISTEM.

Na sua longa sentença condenatória, o juiz se esmerou em demonstrar como Lula estaria enfronhado em todos os negócios que envolviam a empreiteira e a estatal; apega-se a detalhes da vinculação da família Lula da Silva com o dito imóvel, cria uma narrativa que leva o público a concluir: "Mas o apartamento só pode ser de Lula…" Ainda que essa seja a conclusão inevitável, tal conclusão decorre da narrativa, não dos autos. Vocês conseguem entender a diferença?

A verdade inescapável é que o Ministério Público Federal fez, no caso, um trabalho porco, precário. E assim tem sido em muitos outros processos, é bom que fique claro. O pior é que, cada vez mais, há uma espécie de reação corporativista de procuradores e juízes que tenta nos convencer de que o apego a detalhes — COMO AS PROVAS, POR EXEMPLO — é filigrana, é firula de quem, na verdade, estaria interessado em promover a impunidade. Por isso, não há a menor possibilidade de Lula não ser condenado pelo TRF4. Ou por outra: CONSIDERA-SE QUE A PROVA DEFINITIVA DE QUE O APARTAMENTO DE GUARUJÁ É DELE ESTÁ NO FATO DE NÃO HAVER PROVAS A RESPEITO.

Há outros simbolismos a considerar. É o processo contra Lula que primeiro chega à segunda instância e que mexe de forma direta, umbilical, com o quadro eleitoral de 2018. Uma eventual absolvição do ex-presidente lhe daria o passaporte não para disputar a eleição, mas para vencê-la no primeiro turno, com a consequente desmoralização da Lava Jato aos olhos da opinião pública — sejam esses olhos de admiração ou de repulsa.

Os senhores desembargadores do TRF4 sabem fazer conta. Têm claro que, caso relator e revisor seguissem o tempo médio dos outros casos, o julgamento do recurso só se daria por volta de setembro, quando nada mais poderia ser feito contra a candidatura Lula. Com o julgamento marcado para janeiro, haverá tempo para a condenação, para os recursos e finalmente para a consolidação do óbvio: ele estará inelegível. A questão é saber se aguardará o recurso a instância superior dentro ou fora da cadeia. E que impacto isso tudo tem nas urnas. Mas essa é matéria para outro post.

Como? Querem saber se acho que o apartamento é de Lula? Olhem, acho que, quando menos, era. Mas o que eu acho, ou deixo de achar, não pode servir para condenar ninguém. Aliás, isso deveria valer também para Moro e para os desembargadores. Essa é uma tarefa de "Sua Excelência a Prova", mister do Ministério Público a cada dia mais abandonado em favor do proselitismo, do alarido e da politicagem.

Texto publicado originalmente às 5h32

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.