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Reinaldo Azevedo

Otavio.

Reinaldo Azevedo

21/08/2018 08h29

Otavio Frias Filho era um dos homens mais cultos e talentosos do país. Dramaturgo de primeira, jornalista rigoroso, ensaísta ousado, era dono de uma inteligência fulgurante e de uma discrição como não se vê por estas plagas. Avesso a rapapés, a solenidades balofas, a formalismos vazios, desenvolveu, no entanto, um senso de decoro que era difícil de acompanhar.

Estou na minha terceira jornada na Folha, agora como colunista. Otavio tinha uma elegância única no trato da matéria intelectual e profissional. Sob seu comando, fez-se o maior e mais irritante jornal do país. Quando menos se espera, lá está a Folha a dar voz a quem muitos, incluindo muitos de nós, gostariam ou de silenciar ou de relegar ao oblívio. Ele riria discretamente, com lábios finos e severos, desse "oblívio".

Nas duas jornadas anteriores, fui editor-adjunto de política e coordenador de política da Sucursal de Brasília. Jamais me chegou uma orientação que não obedecesse ao mais rigoroso critério profissional. Otavio desenvolveu a mais aguda vista que conheci para o contraditório, para a pluralidade, para a diversidade de vozes. E isso está presente na imensa obra que construiu. E é pela obra que verdadeiramente conhecemos os homens.

Quando soube que ele estava doente, hesitei muito em lhe enviar uma mensagem. Queria expressar a minha preocupação, minha consternação, meu zelo. Mas, do outro lado, estava, enfim, o senhor do texto enxuto, preciso, elegante. Eu temia invadir a sua privacidade com eventuais pieguices. Não era para me preservar que titubeei, mas para preservá-lo de um eventual olhar incômodo.

Enviei a mensagem. E recebi de volta um "legítimo Otavio" de presente.

Os que o amavam, os que admiravam o seu trabalho no jornal, os que apreciavam o seu rigor intelectual, bem, estes todos sabemos a falta que fará. É claro que não havia boa hora para que nos deixasse. Mas também é verdade que se vai num de nossos piores momentos. A sua precisão e o seu rigor poderiam ser a trilha clara numa país que flerta com obscurantismos desiguais e combinados.

O Brasil merecia mais Otavio.

Os bons mereciam mais Otavio.

Os pulhas também.

Mas ele se vai como viveu: discreto, sem alarde, sem estrondo.

E deixa uma grande obra. E pela obra se conhecem os homens.

Honrou com sobras aquele que o antecedeu. Foi generoso ao dividir o seu talento, as suas aflições e as suas prefigurações com seus contemporâneos. E deixa, como o poeta Horário, um monumento mais duradouro do que o bronze para os que desejam honrá-lo.

Tomara que, num particular ao menos, ele estivesse errado, e eu, certo.

E, nesse caso, ele experimenta o Bem d'Aquele que o amou com a discrição necessária para mantê-lo por perto.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.