Topo

Reinaldo Azevedo

Petistas brincam com a própria sorte e com a do país quando são ambíguos sobre algo que sabem ser impossível: conceder indulto a Lula

Reinaldo Azevedo

18/09/2018 07h30

Petistas estão brincando com a própria sorte — e, até aí, é problema deles — e com a do país quando são, quando menos, ambíguos ao se referir a eventual indulto para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva caso Fernando Haddad se eleja presidente da República. O próprio candidato afirmou, quando indagado, que, se eleito, continuará a visitar Lula na prisão, mas que o próprio líder petista rejeita a hipótese porque quer ter a sua inocência reconhecida pela Justiça.

Nesse caso, não há nada de errado com a fala. Alguém que pleiteia a Presidência dizer que vai continuar a visitar um presidiário como fonte de consulta ou inspiração está submetendo a sua decisão ao crivo do eleitor. A fala tem ao menos o condão de não enganar ninguém. Se aquele que vota acha que assim pode ser, fazer o quê? Mas noto também que Haddad, que precisa contar com os votos que eram de Lula, evita descartar com todas as letras o indulto. Mais: no partido, o debate, com efeito, existe. E se trata de uma bobagem, a que outras vão se acrescentando ou no noticiário ou nas redes sociais.

Não existe a menor possibilidade de Haddad, se eleito, ou outro qualquer, indultar Lula. A razão é simples. O indulto a presos é uma das prerrogativas do presidente da República, previsto no Inciso XII do Artigo 84 da Constituição. Lá se lê que cabe ao chefe do Executivo "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei".

Muito bem! Por tradição, os presidentes brasileiros concedem o indulto de Natal por decreto. Nunca tinha sido contestado até o ano passado. A Procuradoria Geral da República recorreu, então, contra o texto assinado por Michel Temer contestando os critérios. O relator foi Roberto Barroso. E, fanático por legislar, o doutor criou seus próprios critérios para a concessão do benefício. Entre eles, excluiu os condenados por crimes de corrupção. E Lula foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Tratou-se de uma clara violação da prerrogativa do presidente. Mas é o que está valendo e duvido que seja mudado.

Mas não é só isso. Inexiste indulto para um único indivíduo. O decreto tem de estabelecer critérios, pouco importando quantas pessoas vão ser beneficiadas. O indulto a um único preso seria a "graça". Essa palavra aparece uma única vez na Constituição e ainda como afirmação negativa, no Inciso XLIII do Artigo 5º. Lá se lê:
"A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".

E pronto! Não existe lei que regulamente a "graça". Vale dizer: esse dispositivo simplesmente inexiste na legislação brasileira. Ninguém saberia dizer quando foi aplicado e quem foi beneficiado porque nem regulamentação há a respeito.

A outra forma de tirar alguém da cadeia seria por intermédio da anistia. Está só pode ser concedida pelo Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República, segundo o Inciso VIII do Artigo 48 da Constituição. Anistiar Lula? É mesmo? Segundo quais termos? "Estão anistiados todos os condenados por corrupção passiva e lavagem de dinheiro?" Acho que não será possível, certo?

Lula sabe — e o PT poderia parar de apostar nas zonas cinzentas — que só será absolvido se o Superior Tribunal de Justiça acatar a argumentação do Recurso Especial ou se, malsucedido nessa Corte, o Supremo acatar a argumentação de um Recurso Extraordinário. E fim de conversa.

O resto e conversa de fanáticos petistas e antipetistas.

E a função da imprensa não é servir de esbirro nem a uns nem a outros.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.