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Reinaldo Azevedo

PGR diz que vai recorrer de decisão da 2ª Turma. Gritaria nada tem a ver com o mérito; é só a turminha do “esfola Lula” a esfolar a lei

Reinaldo Azevedo

25/04/2018 16h48

A Procuradoria Geral da República diz que pode recorrer da decisão da Segunda Turma que decidiu enviar para a Justiça Federal de São Paulo os depoimentos de delatores da Odebrecht que não estão relacionados à Petrobras. Sempre que um ente oficial diz que vai fazer algo que está dentro da lei, fiquem certos!, conta com o meu incentivo moral, o meu apoio espiritual e a minha exortação pessoal. Ainda que eu não goste da coisa. Se não gosto, digo. Como jornalista, sinto-me na obrigação de informar ao leitor, ao ouvinte ou a telespectador se determinada prática está em acordo ou em desacordo com as leis vigentes num país democrático, que foram, igualmente, democraticamente votadas — ou, então, recepcionadas pela Constituição saída da vontade popular.

E o que pode fazer a Procuradoria Geral da República? Aguardar a publicação do acórdão para entrar com embargos de declaração. É o recurso que consiste em pedir esclarecimentos ao tribunal sobre eventuais passagens obscuras da decisão. Como se sabe, embargos de declaração não têm o condão de mudar uma decisão, a menos que o requerente aponte alguma falha, digamos, técnica capaz de alterar o mérito da decisão tomada. Não parece que seja o caso. E, como resta óbvio, um embargo de declaração é endereçado à turma que tomou a decisão.

Vamos diretamente ao "É da Coisa"? O que diz a lei? Em razão do princípio da "prevenção", as causas são enviadas àquele que se torna delas o juiz natural desde que elas guardem conexão com causas outras que estejam sob sua alçada. Sérgio Moro se tornou o juiz natural das falcatruas perpetradas por petistas, peemedebistas, pepistas e outros vigaristas na Petrobras. O que não está relacionado à empresa não cabe ao titular da 13ª Vara Federal de Curitiba.

As delações da Odebrecht que foram objeto da petição da defesa de Lula à Segunda Turma NADA TÊM A VER COM A PETROBRAS. Se a PGR entrar mesmo com os embargos de declaração, no campo da argumentação, espero que consiga demonstrar que o ministro Dias Toffoli está errado quando afirma em seu voto:
"Nesse contexto, digo que, ainda que o Ministério Público Federal possa ter suspeitas, fundadas em seu conhecimento direto da existência de outros processos ou investigações de que os supostos pagamentos noticiados nos termos de colaboração teriam origem em fraudes ocorridas no âmbito da Petrobras, entendo que não há nenhuma demonstração desse liame nos presentes autos. Dito de outro modo: ao menos em face dos elementos de prova amealhados  neste feito, a gênese dos pagamentos noticiados nos autos não se mostra unívoca, logo os termos de colaboração em questão devem ser remetidos à Seção Judiciária do Estado de São Paulo, em cuja jurisdição, em tese, teria ocorrido a maior parte dos fatos narrados pelos colaboradores".

Que a PGR demonstre, então, o contrário. Convenham, essa seria uma tarefa do Ministério Púbico Federal desde o começo.

Vamos nos aprofundar no "É da coisa"? Os militantes em favor da prisão de Lula temem que se esteja diante de um princípio da reversão da condenação. No fim das contas, os que estão gritando contra a decisão não estão nem aí para o mérito do que foi decidido. Sua ideia fixa é uma só: manter Lula na cadeia. Ocorre que não há nem relação direta nem lógica entre a decisão da Segunda Turma e a manutenção ou não de Lula na cadeia, a menos que se admita que todos eles, incluindo Sérgio Moro e o MPF, agem movidos pela má-fé. Explico.

Entendo que parece evidente que Sérgio Moro tem de mandar para a Justiça Federal de São Paulo os dois processos contra Lula que ainda estão com ele:
a: o que trata do sítio de Atibaia;
b: o que trata do apartamento de São Bernardo e da compra de um terreno supostamente destinado ao Instituo Lula — que acabou se alojando em outro lugar.

Ora, o eventual envio de tais processos para São Paulo é, como gritam os que se oferecem como milicianos da carceragem de Lula, garantia de impunidade? Sem que nem se saiba quem é ainda o juiz, se dá como certo que haverá, então, impunidade? Moro se tornou o emplastro Brás Cubas do Direito brasileiro, seu juiz universal, o único capaz de fazer justiça no país? Todo o resto do Judiciário é composto de pilantras e de defensores da impunidade?

Observem que, em vez de se debater o mérito da questão, o que se faz é inventar uma falsa questão: punir ou não punir Lula — e olhem que tal questão nem tem a ver com o processo que o levou à cadeia. Trata-se de uma trapaça intelectual. O cerne da questão é outro: provem os descontentes que existe o tal liame entre as delações que estão sendo remetidas a São Paulo e a Petrobras. Se houver, que então se arme a gritaria. Não havendo, o que recomendo é um mínimo de pudor.

Muito se fala no país da criação do tal "direito penal do inimigo". Olhem que me parece uma apreciação sofisticada demais para o que está em curso. Temos, na verdade, como regra "o direito penal contra os políticos" e, como subgênero dessa degenerescência, "o direito penal para prender Lula".

Isso está cegando muita gente. E setores da imprensa que deveria ter, por princípio, um compromisso com o Estado de Direito estão se deixando contaminar pela militância de procuradores que não respeitam o decoro necessário da própria profissão e grupos militantes de extrema-direita que não respeitam, aí já é questão de princípio para eles, nem o bom senso.

Se quiserem debater o mérito técnico dessa decisão, vamos lá. Se querem pensá-la sob a ótica do prende ou solta Lula, bem, aí não há debate possível porque seria como trocar ideias com um geocentrista, que ancora seu argumento no fato de que um grupo grande de pessoas, e bem barulhento, assegura que o Sol gira em torno da Terra. O debate entre a ciência e o fanatismo é, em princípio, impossível porque os valores e conceitos da primeira são necessariamente matizados e requer prudência e calma para ouvir argumentos. As verdades do outro são planas. E qualquer contradição que afronte a sua crença é logo vista como sabotagem a seus supostos bons propósitos.

E é claro que ainda voltarei ao tema.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.