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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro 1: Com rudimentos da Escola Austríaca de economia, ele criou a Escola Iguape-Cananeia

Reinaldo Azevedo

20/11/2017 08h41

Bolsonaro no exato momento em que transformava os fundamentos da Escola Austríaca nos Prolegômenos da Escola Econômica Iguape-Cananeia: tudo culpa da política ambiental, entendem?

Estejamos todos certos sobre uma coisa ao menos. Jair Bolsonaro, candidato sem partido à Presidência da República, não tem competidores na política brasileira. Só uma pessoa pode superá-lo na ignorância, na irresponsabilidade e, para surpresa de muitos, no discurso do fingimento: o próprio Jair Bolsonaro. Ninguém emula com ele a não ser o próprio espelho. O deputado foi o entrevistado do programa "Canal Livre", que foi ao ar na Band no começo da madrugada desta segunda. Os entrevistadores foram técnicos: nenhuma hostilidade, nem mesmo sub-reptícia. Só o desejo de saber, afinal de contas, que diabos ele pensa. Ali estava mais uma oportunidade. Mas quê… O diabo é que ele não pensa nada. Em economia, sua cabeça é um vácuo preenchido por uma frase em que se notam, quem sabe, traços remotos de ultraliberalismo, talvez de alguém afinado com a dita Escola Austríaca. Com absoluta certeza, ele decorou de modo atrapalhado um chavão que lhe sopraram seus "economistas". Já chego lá.

Os entrevistadores quiseram saber que medidas o presidente Bolsonaro adotaria. Ele não tem a menor ideia. Iria consultar seus economistas — aquele grupo que deve ser mais secreto do que os dos "Illuminati". Além de Adolfo Sachsida, que admitiu estar conversando com o deputado, não se conhece mais ninguém. E se saiu com uma resposta que deve julgar esperta e inteligente: ele não precisa saber tudo de saúde; para cuidar do ministério específico, terá um médico. A coisa até poderia fazer algum sentido se ele se apresentasse, então, como um mestre da composição política, que entende que o papel do presidente é fazer escolhas-mestras em políticas públicas, articulando-se com o Congresso. Mas quê… Ele trata o Parlamento ao qual pertence como um antro, um valhacouto.

Entendi. Bolsonaro é cesarista, mas nem tanto. É do tipo que ouvirá, ao menos, o que diz o círculo mais próximo da Corte. Mas quem é essa gente? Não se sabe. E, se querem saber, não se sabe porque, com efeito, não existe. Enquanto engrolava uma resposta, deixou escapar uma das medidas que adotaria… Enfrentaria o déficit… "buscando superávit". Uau!!! Sim, este senhor é candidato à Presidência. E não será o primeiro elemento, vamos dizer, folclórico a se apresentar aqui e em outras democracias. Acontece que gente com o seu perfil e com a sua ignorância alastrante não costuma ir tão longe. Compará-lo com Donald Trump é uma piada. Aquele, perto deste, é uma fusão de Schopenhauer com Dalai Lama.

Os entrevistadores se distraíram segundos, talvez entorpecidos por algumas coisas, se me permitem palavra de mesma raiz, mas de sentido diverso, torpes já ditas àquela altura, e lá estava Bolsonaro a fazer digressões sobre como as leis ambientais atrapalham o desenvolvimento do turismo em Iguape e Cananeia, no Litoral Sul de São Paulo… E depois sacou da algibeira a "Curva de Laffer" para tentar deixar claro aos presentes que ele já tinha ouvido falar dessa história de que, a partir de determinado ponto, arrecada-se menos ao se taxar mais. E mandou ver: "A economia vai bem quando você vai bem". E mais adiante: "A economia vai bem quando o povo vai bem".

Sabem o que isso quer dizer? Nada! Um dos seus estudiosos deve ter tentando lhe passar rudimentos de liberalismo, ensinado que a liberdade de empreender, como parte das liberdades individuais, costuma ser sinal de progresso econômico. Ele entendeu a coisa lá do seu jeito e se saiu com essa. De resto, trata-se de uma besteira, contestada até pelo ditador Emílio Garrastazu Médici, um dos heróis de Bolsonaro.

Numa viagem ao Nordeste, Médici, que comandou o país nos anos mais duros da ditadura militar, disse uma frase que entrou para a história — sobretudo porque os adversários do regime não poderiam pronunciá-la: "A economia vai bem, mas o povo ainda vai mal". Ele presidiu o Brasil durante uma parte do chamado milagre econômico (1968-1973), quando o país registrou taxas recordes de crescimento. Para se ter uma ideia, o PIB deu um salto de 14% em 1973.

Mas é "discurso do fingimento"? Pois é… Bolsonaro, antes um intervencionista, andou posando de liberal nas últimas semanas. É mesmo? Reforma da Previdência? Ele é contra o limite de 65 anos para homens e 62 para mulheres? China? É um mal a ser combatido porque, afirmou, os chineses "vão matar nosso agronegócio". Não disse como se faria. Ou disse: eles comprariam nossas terras e, segundo entendi, importariam chineses em massa para trabalhar. A besteira é monstruosa. Quanto às estatais, algumas, afirmou, nem deveriam existir — não disse quais. E há empresas estratégicas que têm de continuar nas mãos do Estado. Não as listou.

Em suma, Bolsonaro não tem a mais remota ideia do funcionamento da economia.  Tentaram lhe ensinar alguns rudimentos da Escola Austríaca, e ele os adaptou, criando a escola de pensamento econômico Iguape-Cananéia.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.