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Reinaldo Azevedo

Caso Andrea Neves fica no STF, embora ela não tenha foro especial. Será isso “privilégio”?

Reinaldo Azevedo

15/11/2017 07h39

Andrea Neves: seu caso não vai para a primeira instância; segue no STF. Privilégio???

A Operação Patmos, que colheu Aécio Neves (PSDB-MG) —  Joesley Batista repassou ao senador R$ 2 milhões —, também atingiu Andrea, sua irmã; Frederico Pacheco, seu primo, e Mendherson Souza, assessor do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). Os quatro foram denunciados por corrupção passiva — no caso de Aécio, o MPF lhe imputa também obstrução da investigação. A denúncia não foi ainda examinada. Ninguém é réu.

Prestem atenção! A defesa de Andrea solicitou ao Supremo que seu caso deixasse o tribunal e fosse enviado para a Justiça Federal de São Paulo. Por quatro a um, a Primeira Turma rejeitou o pedido. E, portanto, os três seguem com o senador naquilo que os idiotas chamam "foro privilegiado".

O único a votar a favor do envio dos respectivos casos para a primeira instância foi o relator, Maro Aurélio. Os outros se opuseram: Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Já vou voltar a este ponto. Antes, tenho de fazer algumas considerações

Suporto quase tudo num debatedor que se oponha a mim: um tantinho de ignorância, outra pitada de arrogância, doses nem sempre palatáveis de autoengano. E vai por aí. Só não acho suportável a desonestidade intelectual. Aí não dá. Quem não se dedica a sério ao debate e não fundamenta sua opinião em princípios, fatos e conhecimento técnico firmado a respeito do assunto ou é idiota ou é vigarista.

Qual é o quase-consenso, falso!, firmado em relação ao dito "foro privilegiado", cujo nome recuso? Eu o chamo por aquilo que é: foro especial por prerrogativa de função. Por que o chamam "privilegiado"? Porque, diz-se, não se pune ninguém por lá, em particular no Supremo. Ainda ontem circulou o vídeo do samba triste dançado por José Dirceu. Aquele que chegou a ser o Número 2 da República foi reduzido a pó em razão de pena imposta pelo… Supremo no processo do mensalão. Quando veio o petrolão, ele já era ex-José Dirceu. Já não podia mais nada.

Como esquecer? Dos 39 réus do mensalão, sabem quantos tinham o "direito" a foro especial e, portanto, a ser julgados pelo Supremo? Três deputados apenas: Valdemar Costa Neto (PL-SP), João Paulo Cunha (PT-SP) e Pedro Henry (PP-MT). Os outros 36 poderiam ter ido para a primeira instância. E o que a primeira instância significa? O direito a pelo menos TRÊS JULGAMENTOS: do juiz de primeiro grau, do colegiado de segunda instância e de um tribunal superior — a depender do caso, dois!

Entenderam o ponto? Ser julgado pelo Supremo, ao contrário do que se diz por aí, não é um privilégio. Poder ser uma danação. José Dirceu não teria ido tão rapidamente para a cadeia, então, se seu caso tivesse deixado o Supremo. Fora das conexões criadas pelo relator Joaquim Barbosa, que procurou interligar todos os réus do mensalão, será que Kátia Rabello, sócia do Banco Rural, teria pegado mais de 17 anos de cadeia? Seria preciso dar um triplo salto carpado argumentativo para ligar aquela senhora aos três que tinham foro especial. E, no entanto, mesmo sem ser política, ela não teve direito ao duplo grau de jurisdição, que é uma garantia em todo o mundo democrático. E, naquele caso, nem Dirceu.

Voltemos às três pessoas ora mantidas com Aécio no Supremo. O senador tem mais um ano e dois meses de mandato. É pouco provável que, nesse tempo, haja a aceitação da denúncia, se aceita for, e o julgamento. Mas impossível não é. Cada um deles terá seu caso em particular examinado. Já lhes ocorreu, havendo um julgamento ainda em 2018 (ou Aécio mantendo o foro especial caso se eleja deputado, governador ou se reeleja senador), que três pessoas sem cargo público nenhum correm o risco de ser condenadas de forma irrecorrível num único julgamento?

Dado o que Barroso falou sobre Aécio naquele embate em que se decidiu sobre a aplicação de medidas cautelares a parlamentares, alguém realmente seria capaz de sustentar que ele decidiu manter o Supremo como o foro para Andrea Neves e os outros dois porque considera que isso é melhor para eles?

O fim do foro especial, à diferença do que dizem os tontos, acabará prolongando o tempo de eventuais condenações. A tese não é deletéria por isso, mas pela desordem a que conduziria os tribunais e a justiça. Imaginem juiz de primeira instância decretando a prisão preventiva de ministros ou de parlamentares federais em razão de processos anteriores à diplomação, o que é vetado pela Constituição… Na versão mais radical, só os presidentes de Poderes conservariam foro especial. O magistrado de Xiririca da Serra poderia, deixem-me ver, decidir a condução coercitiva de um… ministro do Supremo. O que lhes parece?

É bom botar ordem nessa zorra. Se o STF fosse mesmo um "foro privilegiado", suponho que o advogado de Andrea lutaria para que ela lá permanecesse. Em vez disso, quem a quer atrelada ao tribunal é Barroso, aquele que já antecipou juízo condenatório sobre Aécio.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.