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Reinaldo Azevedo

Datafolha: Pesquisa evidencia efeitos da respiração boca a boca que Janot fez nas esquerdas

Reinaldo Azevedo

03/07/2017 07h23

Então está crescendo o apoio a ideias que são típicas da esquerda? Bem, eu não estou surpreso. Nem poderia estar. Cantei essa bola faz tempo. Mas vamos com calma!

A manchete da Folha desta segunda é esta: "Apoio à esquerda sobe e repõe empate ideológico". Explico: o Datafolha definiu, em 2013, um grupo de perguntas para saber a opinião dos brasileiros. Como isso é feito? Sobre um mesmo tema, apresentam-se teses apostas, e as pessoas dizem se concordam com uma proposição ou com o seu contrário. Um exemplo: você acha que "a pobreza está ligada à falta de oportunidades iguais" ou à "preguiça de pessoas que não querem trabalhar"? O mesmo elenco de questões foi apresentado em 2013, 2014 e 2017. Com base nas respostas, o instituto encaixa o entrevistado em uma de cinco categorias: esquerda, centro-esquerda, centro, direita e centro-direita.

Segundo o Datafolha, 31% tinham ideias de centro-esquerda em 2013; em 2014, esse índice oscilou para 29%, voltando aos 31% agora. Oscilação dentro da margem de erro, que é de dois pontos para mais ou para menos. Já a centro-direita pode estar a esboçar tendência inversa e marca, nas três pesquisas, respectivamente, 31%, 28% e 31%. A direita obteve, nos três levantamentos, 10%, 13% e 10%. E a esquerda, 10%, 7% e 10%. O centro se manteve impávido nos três levantamentos: 20%. Vejam gráfico publicado na edição impressa da Folha:

Reservas e números
Tenho reservas às perguntas feitas pelo Datafolha — e, pois, considero que a definição do perfil ideológico a partir delas pode ser um erro. Vamos aos dados. Que se note: eu não acho que o brasileiro esteja indo para a esquerda; é a esquerda que está sabendo, no momento, jogar com mais competência, com a ajuda da Lava Jato.

Cresceram de 58% para 77%, por exemplo, os que avaliam que a pobreza está ligada à falta de oportunidades iguais, e caíram de 37% para 21% os que dizem que ela decorre da preguiça das pessoas que não querem trabalhar. Pois é… Eis a hora em que enrosco com o Datafolha: a tese de que a pobreza decorre da falta de oportunidades iguais é, com efeito, de esquerda. Ocorre que afirmar que ela deriva da preguiça não é "de direita" — trata-se apenas de uma burrice.

Passaram de 66% em 2014 para 76% agora os que dizem que o governo deve ser o principal responsável por investir no país e fazer a economia crescer. Isso é avaliado pelo instituto como de "esquerda". Parece-me que se trata apenas de senso comum: o estado é forte no Brasil, e o governo, onipresente. Então as pessoas lhe atribuem responsabilidades.

De resto, há respostas que poderiam indicar um fortalecimento da direita, não o contrário. Caíram de 46% para 41% os que acreditam que sua vida será melhor quanto mais benefícios do governo obtiverem; e subiram de 49% para 54% os que pensam o contrário. A confiança nos sindicatos oscilou de 42% para 38%, e a desconfiança cresceu de 50% para 58%. Os que acham que o governo deve atuar com força na economia para evitar abusos caíram de 51% para 46%, e os que dizem que ele não deve atrapalhar a competição entre as empresas saltaram de 35% para 46%.

Comportamento e valores
Na área de comportamento e valores, há sinais ambíguos: baixaram de 62% para 55% os que afirmam que as armas devam ser proibidas, e pularam de 35% para 43% os que defendem a posse de arma legal. A primeira posição é identificada com a direita; a segunda, com a esquerda. Passaram de 64% para 74% os que opinam que a homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade, e baixaram de 27% para 19% os que sustentam que ela tem de ser desencorajada. Nesse caso, o viés seria de esquerda.

Esquerda cresce, mas buraco é outro
Não acho, sinceramente, que os números do Datafolha autorizem a conclusão de que a esquerda está em ascensão. Não pelos motivos ali apontados. Em linhas gerais, as coisas não saíram do lugar, variando dentro da margem de erro. Em questões específicas, como se pode ver acima, há variações relevantes de opinião. Mas as há para um lado e para outro.

O que a pesquisa revela de ruim para a direita e os conservadores é a manutenção do empate. Depois de tudo o que se descobriu sobre o PT e o petrolão e do mal que o partido fez ao país, o esquerdismo deveria estar em baixa. E ele se mantém influente.

E isso é obra da Lava Jato. E, bem, isso, convenham, eu vi primeiro.

Na própria Folha, leio este parágrafo:
"Desde então [eleição de Dilma, em 2014], se aprofundaram as crises econômica e política, o Brasil adicionou mais um impeachment à sua história, e a Operação Lava Jato chegou para atestar que a corrupção não é exclusiva de um só partido."

Perceberam? Nunca ninguém disse que o PT era o monopolista da corrupção. Mas me parece escandalosamente falsa a máxima "Janotina" e "lava-jateira" de que todos são iguais. A vitória na esquerda, neste momento, não se revela por sua ascensão, mas pela manutenção do prestígio que tinha.

Sim, terei de lembrar o que escrevi no dia 24 de fevereiro, na minha coluna na Folha, escrevi:
Os grupos responsáveis que constituíram a base popular do movimento de impeachment deveriam agora é estar empenhados em construir alternativas, já pensando em 2018, que assegurassem a continuidade das mudanças a que o presidente Michel Temer deu início. Para tanto, não é preciso paralisar a Lava Jato. Ela que prossiga nos limites da lei. Mais: o inventário do desastre petista, a sua herança, ainda não foi feito. Em vez disso, infelizmente, nós flagramos esses a que me refiro a insuflar, queiram ou não, a razia das forças políticas organizadas, cedendo ao alarido da direita xucra e dos messiânicos.

Eis aí. A esquerda saiu morta das eleições de 2016. Se voltou a ser viável, é por culpa dos que não são souberam encomendar o corpo e passaram a atuar para ressuscitá-la.

A esquerda só não está morta e é, sim, viável eleitoralmente porque Janot, Deltan Dallagnol, Carlos Fernando e a direita xucra lhe fizeram uma eficiente respiração boba a boca.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.