Topo

Reinaldo Azevedo

Deltan e Barroso têm de sair logo do armário: um para se declarar candidato, e o outro, Barroso

Reinaldo Azevedo

27/10/2017 17h10

Se Raquel Dodge, procuradora-geral da República, não resolver bater o anel da mesa, não vai demorar muito, e a seita neoconstitucional, ou neobaderneira, de Curitiba estará metendo o pé da sua porta e determinando o que ela deve ou não dizer.

Em matéria de delinquência intelectual, Deltan Dallagnol a todos supera, com seu ar de beato do direito neopentescostal. E que se entenda a referência. Não é uma crítica à sua religião ou a qualquer outra corrente do neopentecostalismo. Obviamente, o Espírito Santo não baixa onde ele está — por que o faria? —, mas ele certamente se considera escolhido pelo Espírito de Deus. E fala línguas estranhas. E, no mais das vezes, o que diz não guarda qualquer relação com o estado democrático e de direito. Não estranha seu alinhamento com Roberto Barroso — ainda que circunstancial.

No embate entre Gilmar Mendes e Barroso, Dallagnol e Carlos Fernando, por óbvio, saíram em defesa do "Menino do Rio", numa calor retórico que só provoca arrepio nos degenerados do Estado de Direito. Afirmou o palestrante de "maçãs coradas, perfil longilíneo e óculos de aros finos":
"Barroso disse a Gilmar o que precisava ser dito. A acusação, feita por Gilmar, de que Barroso soltou José Dirceu é absolutamente falsa. Barroso aplicou um decreto de indulto da presidente que era inafastável (ele não poderia fazer diferente) e isso em nada interferiu na prisão preventiva decretada em Curitiba. Quem soltou Dirceu foram na verdade [os ministros] Gilmar, [Dias] Toffoli e [Ricardo] Lewandowski, em decisão que revogou a preventiva e que, como apontei na época, fugia completamente do padrão de decisões anteriores desses mesmos ministros."

Notem a expressão: "prisão preventiva decretada por Curitiba". Não foi o juiz Moro. Não foi a 13ª Vara Federal. Foi Curitiba. Foi a metafísica de um lugar. Eles e Moro compõe uma unidade, uma inteireza, são a Liga da Justiça, o Partido da Justiça.

Mais: falsa é a afirmação deste rapaz. Já expliquei hoje de manhã qual é o caso. Diz respeito aos embargos infringentes. Desrespeitando a  lei, uma maioria de ministros declarou a sua sobrevivência, o que permitiu uma nova votação no caso da condenação de Dirceu por quadrilha. Barroso e Teori Zavascki votaram em favor de uma segunda chance para o petista e o absolveram desse crime, reduzindo a sua pena em três anos, o que apressou a sua saída da cadeia. Outros petistas foram beneficiados. À época, o agora superdurão e testosterônico Barroso amoleceu: disse que o mensalão era "um ponto fora da curva" e reclamou das penas excessivas.

Barroso gosta de citar Chico Buarque? Eu também. Ele é do tipo que fala fino com petistas e grosso com seus adversários. Não pensem que Dallagnol e Carlos Fernando gostem necessariamente dele. Eles apenas lhe deram razão, sem ter, porque, afinal, aquele que faz parceria com "a leniência com os crimes de colarinho vermelho" está circunstancialmente contra Mendes.

Aliás, a esquerda delirou de prazer. Como esquecer que, num passado algo remoto, quando Joaquim Barbosa investiu contra Mendes, o ministro virou o herói da turma. Os blogs sujos, de esquerda, fizeram dele o seu Deus. Barbosa era aplaudido em restaurante. Era, enfim, "o nosso negro, nomeado por Lula". Pois bem. Veio o julgamento do mensalão, do qual Barbosa foi relator. O ex-ministro tem baixa tolerância para o chamado direito de defesa. E pediu cadeia para um monte de petista. Aí Barbosa conheceu o reverso da fortuna. Passou a ser tratado pelas esquerdas como o negro ingrato, que só chegou ao STF em razão de Lula ter aplicado uma política pessoal de cotas.

Matéria da Folha lembra a reação de Dallagnol quando José Dirceu obteve habeas corpus na segunda turma, aí já em razão da prisão no caso do petrolão. Reproduzo o que escreve o jornal.
Ele [Dallagnol] disse que "chama a atenção" que os mesmos ministros que decidiram pela saída de Dirceu da prisão -Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski- "votaram para manter presas pessoas em situação de menor gravidade, nos últimos seis meses". O procurador citou três casos: o de um ex-prefeito do Piauí acusado de corrupção "em menor vulto e por menos tempo" que Dirceu, o de um acusado por tráfico preso com "162 gramas de cocaína e 10 gramas de maconha" e o de um réu primário, "encontrado com menos de 150 gramas de cocaína e maconha". Em cada um dos casos, ele citou decisão de um dos ministros. Em seguida, fez uma "conclusão": "Diz-se que o tráfico de drogas gera mortes indiretas. Ora, a corrupção também", disse Dallagnol.

Retomo
Dois dos três casos citados dizem respeito a drogas. Isso deve querer dizer alguma coisa. Mas não me aterei agora a isso. De qualquer modo, o que vai acima é um conjunto de boçalidades. O que determina se deve haver ou não decretação de prisão preventiva não é a gravidade do crime, mas as causas previstas no Artigo 312 do Código de Processo penal: risco à ordem pública ou econômica (vale dizer: evidência de que a pessoa está delinquindo de novo), risco à instrução criminal (bulir com testemunhas e provas) e risco de não se cumprir a lei penal (fuga).

A gravidade do crime é matéria a ser avaliada pelo juízo na hora da sentença condenatória. Deltan sabe disso? É claro que sabe. Ocorre que ele tem suas próprias concepções de direito, estas que levaram o país à beira do abismo político.

Por que esse rapaz não sai logo do armário, declarando-se candidato. Barroso deveria fazer o mesmo, declarando-se Barroso. O que isso quer dizer? Um vanguardista de esquerda que tem escondida uma agenda debaixo da toga. Uma agenda de esquerda.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.