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Reinaldo Azevedo

Demagogia: comissão do Senado, tucano à frente, aprova projeto que torna crime rever meta fiscal

Reinaldo Azevedo

15/08/2017 16h25

O país, às vezes, passa por algumas bizarrices. Pouca gente se lembra, mas a Constituinte estabeleceu um teto para os juros: 12% ao ano. E, como a redação e as mentes eram confusas, entendia-se tratar de juros reais, o que, se posto em prática, pelo texto, seria um descalabro. Para vocês terem uma ideia, o país que paga hoje as taxas reais mais altas do mundo — isto é, descontando-se a inflação — é a Rússia: 4.59%. A Turquia vem em seguida, com 3,93%. E o Brasil está em terceiro lugar, com 3,71% em julho, com a taxa Selic a 9,25%. Sim, na década de 90, o Brasil teve de pagar juros reais acima de 20%. Nos anos 2000, caiu para a faixa de 10%. No momento, estamos abaixo de 5%.

Vamos lá. Ainda que um descalabro fosse, pergunta-se: que sentido fazia tabelar os juros? A estrovenga ficou na Constituição até 2008 sem qualquer aplicação prática porque dependia de lei que a regulamentasse. E caiu.

Nesta terça, a Comissão de Assuntos Econômicos, sob a entusiasmada condução política de Ricardo Ferraço (ES), o senador que migrou, em 2016, para o PSDB porque, consta, discordava do apoio do PMDB ao governo Dilma, aprovou uma estupidez: a punição do Poder Executivo caso este decida alterar a meta fiscal no segundo semestre.

É mesmo? E foi Ferraço quem veio com a cantilena que não faz o menor sentido. Seguem trechos da fala de quem decidiu se comportar como senador de oposição, certo de que isso vai colaborar para a sua reeleição ao Senado:
"O governo já sabe há meses que a meta tinha que ser revisada (…). Quanto mais o governo atrasa [a revisão], mais aumenta a pressão por gastança. (…). A revisão será muito debatida. Viemos de governos que fizeram revisões repetidamente no fim do ano. Não dá para cometer os mesmos erros. O governo vai ter que ter justificativas muito consistentes para esta revisão (…) É a base do governo que tem conspirado contra as receitas do governo. O Refis, a reoneração… já foram para o espaço".

E lascou uma argumentação aparentemente matadora: o impeachment de Dilma se deu por autorizar gastos sem antes rever a meta.

O conjunto não faz sentido de várias maneiras combinadas:
a: ainda que a base do governo conspirasse contra a meta, Ferraço é a prova de que pertencer à base não implica fidelidade aos desígnios do governo, certo?;

b: aguarda-se que o senador explique por que uma margem mais estreita para gastos — meta mais severa — aumenta pressão por gastos; acho que ele falou por falar;

c: de fato, Dilma autorizou gastos sem rever a meta quando esta já havia estourado. O que se fez foi maquiar o estouro. O atual governo tenta fazer justamente o contrário. Mas não será com a ajuda de Ferraço, tudo indica.

Eu sugiro que o senador leve a questão ao PSDB para que o partido delibere, então, onde se vai passar a faca: começaremos por paralisar as escolas, os hospitais, as Forças Armadas ou o quê? Falar no corte de emendas de parlamentares é demagogia barata. A fatia reservada no Orçamento a tal fim é de R$ 6,3 bilhões. E faz parte dos itens do Orçamento impositivo.

De fato, a reoneração da folha de salários ficou para o ano que vem. Por vontade do governo ou por necessidade? Convenha, senador: o PSDB é bem menor do que a base, certo?, e não consegue se entender.

Aprovar uma proposta que, no limite, obrigaria o governo ou a paralisar a máquina ou a ser um criminoso é uma sandice. É demagogia barata, que atenta contra o país.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.