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Reinaldo Azevedo

Denúncia de Janot (leia) é só obsessão doentia contra Temer; veja até onde vai o ridículo

Reinaldo Azevedo

15/09/2017 00h03

Tenho uma amiga querida, lida como poucas, jornalista de primeiro time (mas não especialmente afeita à área política), que tem uma reposta deliciosa quando alguém lhe pergunta se leu coisas como "a nova denúncia de Rodrigo Janot contra Temer. Diz ela: "Não li ainda nem "Guerra e Paz", de Tolstoi. Por que eu perderia tempo com essa porcaria?" Bem, eu duvido um pouco de que não tenha lido. Pessoas inteligentes gostam, às vezes, mais de frases do que da verdade, especialmente quando a graça, a "boutade', a mentirinha, é irrelevante. E não que a leitura do dito cujo deva ser um divisor de águas na humanidade. Nenhum livro merece tanto.

Bem, não vou aqui provar que sou do tipo que já leu "Guerra e Paz" — sim, eu li. Mas sou do tipo que lê denúncias. As opiniões que possa ter sobre Tolstoi são irrelevantes. Mas não o que penso sobre essas peças acusatórias, uma vez que opino sobre o assunto e ajudo a formar opinião. Sim, eu acabo de ler a nova peça de ficção (íntegra aqui) feita por Janot, que tem como principal alvo, é claro!, o presidente Michel Temer, mas atinge também parte considerável da cúpula do PMDB. O procurador-geral, um oportunista grosseiro vivendo o seu ocaso, suspendeu a pornográfica imunidade garantida a Joesley Batista e a Ricardo Saud para metê-los entre os denunciados. É assim que o flecheiro amador pretende evidenciar ser um homem sério.

Janot me obrigou a ler a estrovenga. Afinal, sou jornalista. A profissão me impõe. É uma crueldade ter de viver este tempo sombrio, assombrado, se me permitem o jogo de palavras, por figuras sinistras como o ainda titular da PGR.

Segundo o homem que comandou a procuradoria no tempo em que esta se transformou num palco de manobras golpistas, o presidente da República praticou obstrução da investigação — teria autorizado a compra do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro — e integra, em posição de comando, uma organização criminosa (no caso, entenda-se, é o PMDB), que teria amealhado, ao longo dos anos, em propinas, a imodesta quantia de R$ 587 milhões. À Petrobras, tal grupo teria provocado um prejuízo de R$ 29 bilhões — copia-se aqui um número estimado pelo TCU, mas que diria respeito ao conjunto das ações cartelizadas havidas na estatal. Leia a denúncia. Tais somas são puro exercício de solipsismo aritmético.

Além de Temer e da dupla da JBS, são ainda acusados de crimes vários Geddel Viera Lima, Henrique Eduardo Alves, Eduardo Cunha e Rodrigo Rocha Loures (PR). Também estão na lista os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral). Além da Petrobras, há outros entes públicos que seriam fontes de pagamento de propina: CEF, Furnas, Câmara e Ministério da Integração. Ah, sim: Janot pede que o grupo ressarça os cofres público pelo valor mínimo dos R$ 587 milhões que teriam sido recebidos em propina.

Eu não tenho como lhes propor outra coisa que não seja ler a estrovenga. Boa parte das narrativas que colocam Temer no centro da tal "organização" diz respeito a eventos, reais ou supostos, anteriores a seu mandato como presidente. Logo, não poderiam ser listados numa denúncia ainda que verdadeiros fossem. E verdadeiros não são!

E como é que posso apontar isso? Leiam. Tentem achar uma única imputação objetiva. Não existe. Tudo se resume à fala de delatores. E as evidências de que Temer chefiaria a tal "organização criminosa do PMDB" se estariam nos cargos que ele teria negociado com o governo. Janot vai fundo e lista eventos até da gestão FHC. O método de argumentação segue esta lógica:
a: Temer influenciou na nomeação de Fulano;
b: Fulano foi acusado por Beltrano de ter desviado "x" milhões;
c: logo, Temer ou é responsável pelo desvio ou é sócio da propina.

Acreditem: jamais se produziu estupidez dessa dimensão da PGR e, se querem saber, em qualquer outro lugar.

A leitura da estrovenga produzida por Janot chega a dar engulhos. Caso tenham interesse, vejam a evidência apresentada por ele do mecanismo do pagamento de propina que supostamente teria vigorado em Furnas (entre as páginas 84 e 95). A síntese é esta:
a; em agosto 2007, o PMDB emplacou o nome de Luiz Paulo Conde para a presidência da estatal;
b: nota: Janot não consegue nem acertar o nome de Conde, chamado de "Conte" por sete vezes em sua peça patética (págs. 15, 16, 84, 85 (três vezes) e 102; há apenas duas menções corretas;
c: com a chegada de Conde ao comando de Furnas, aumentaram as doações ao PMDB de empresas que trabalhavam para a estatal;
d: o indecoroso escreve o seguinte:
"Durante o período em que Luiz Paulo Fernández Conde ocupou a presidência de Furnas Centrais Elétricas S.A (15/08/2007 a 03/10/2008), a empresa administrou mais de R$ 7 bilhões por intermédios (sic) do contratos firmados. Das empresas contratadas por Furnas, 14 (catorze) efetuaram doações a candidatos, comitês e diretórios do PMDB nas eleições de 2010, no montante de R$ 14.627.744,87."

Alguma evidência apresentada de que se trata de propina? Claro que não! Desde quando Janot é obrigado a provar o que diz? E esse dinheiro, meus caros, seria parte daquela montanha que o PMDB teria recebido em propina. Entenderam como funciona a cabeça de Janot? Entenderam como ele faz as suas denúncias?

A estupidez é própria de uma mentalidade messiânica, estúpida, que admitiu, nesta quinta, que tomou para si a tarefa divina de limpar o processo político. Nem que, para tanto, tudo indica, tenha de praticar as irresponsabilidades que se leem. Há muito ainda a dizer sobre essa denúncia absurda. E nós o diremos. Não me resta, no entanto, outra recomendação ao fim deste post que não esta: leiam as barbaridades que lá vão e tentem encontrar um único elemento que se pareça com prova, que não tenha nascido da boca de algum delator vigarista, em busca de tirar sua cara da reta em prejuízo da alheia, ou da mente perturbada do procurador-geral.

Certamente Janot levou o MPF a seu pior momento.

Há quem diga que a única chance que ele tem de se livrar da cadeia é bater muito forte no governo Temer para que, qualquer eventual reação legal a seus desmandos e desvarios seja considerado uma retaliação. Só isso garantiria a sua liberdade, sob o risco que está de ser acusado por Marcelo Miller de ser o mentor de uma conspiração.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.