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Reinaldo Azevedo

Diálogo Andrea Neves-Joesley trata de AP à venda. Ou: Sombra do arbítrio cobre Lula e Aécio

Reinaldo Azevedo

09/10/2017 04h06

Veio a público um diálogo de Andrea Neves, irmã de Aécio Neves (PSDB-MG), com Joesley Batista que parece ilustrar a forma como o arbítrio de espalha, sem escolher cor partidária. Como vocês sabem, Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, denunciou Aécio por corrupção passiva e obstrução da investigação (a íntegra da denúncia está aqui). Antes que volte a tratar do diálogo, algumas considerações.

Vivemos tempos realmente singulares. Se há algo inquestionável no país, é a democratização do arbítrio. Já tratei aqui diversas vezes do caso do tríplex de Guarujá, que diz respeito a Lula. O MPF acusa o ex-presidente, nesse processo, de ter recebido propina decorrente de três contratos com a Petrobrás de consórcios integrados pela OAS. Ao dar a sentença condenatória de nove anos e meio de prisão a Lula, o juiz Sérgio Moro ignorou os ditos-cujos. E fez questão de deixar claro, ao responder a embargos de declaração, que não levara em conta os tais contratos. Agora, a segunda instância do MPF pede ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que vai julgar o recurso de Lula, o agravamento da pena alegando que a suposta propina de cada contrato constitui um crime autônomo. Vale dizer:
1: a denúncia acusa recebimento de vantagem indevida decorrente de três contratos;
2: a sentença condenatória da primeira instância ignora os contratos;
3: o MPF da segunda instância ressuscita os contratos para pedir agravamento da pena.

Nem é preciso ser especialista em direito para constatar que o conjunto da obra não faz sentido. Cada um de nós tem, se quiser, o direito de achar que o apartamento de Guarujá pertence a Lula e é fruto de propina. Ao órgão acusador, o MPF, cumpre entregar as provas de sua denúncia, o que não aconteceu. E à Justiça cumpre julgar segundo os autos, o que igualmente não aconteceu. O caso Aécio, no imbróglio JBS, também é algo singular.

O senador afirma que os R$ 2 milhões que pediu a Joesley faziam parte de conversações mantidas com o empresário para a venda de um apartamento, no Rio, que pertence à mãe do tucano. A cobertura, de 1.200 m², estaria sendo negociada por R$ 40 milhões. Muito bem! As pessoas podem acreditar no que lhes der na veneta. Reportagem de O Globo, por exemplo, diz que corretores ouvidos afirmam que o imóvel valeria, no máximo, a metade. Que importância isso tem? Nenhuma.

Ouçam a agravação abaixo. Trata-se de uma conversa entre Andrea Neves e Joesley. Eu a transcrevo em seguida:

Joesley – Alô..
Andrea – Alô…
Joesley – Alô.
Andrea – Alô bom dia, é…. Eu falo com o Aran?
Joesley – Quem?
Andrea – Aran?
Joesley – Não, não.
Andrea – Com quem eu falo, por favor?
Joesley – Você ligou pra quem?
Andrea – Eu liguei pro Aran. Eu recebi um recado do Frederico a respeito de uma viagem no Rio. Com quem eu falo, por favor?
Joesley – Ah tá, tá, com o Joesley. O que que é, o Fred? Quem tá falando?
Andrea – É Andrea Neves.
Joesley – Oi, Andrea, é Joesley. Joesley. Tudo bem?
Andrea – Ah, Joesley, desculpa! Bom dia, eu recebi o recado, desculpa.
Joesley – É que eu tô dirigindo aqui, eu tô no viva voz, tá bom. Vamos falando.
Andrea – É que eu recebi o recado, completamente então errado aqui, desculpa. Bom dia!
Joesley – Mas você deve estar falando do Aran. Não é o menino que trabalha comigo?
Andrea – É, bom, então… não sei. O recado foi o seguinte: você vai até o Rio hoje?
Joesley – Então, eu também recebi um recado, mas é que hoje eu não consigo. Eu recebi um recado se eu podia estar lá às 15h. Mas, putz, hoje eu tou, inclusive, indo pro escritório aqui, tenho umas reuniões aqui.
Andrea – Ah, tá, é porque a gente recebeu o recado que você poderia vir, né? Aí marcamos, seria até bom para você ver o apartamento, sabe? Ter a oportunidade de estar com a minha mãe e ver o apartamento e, como eu estou aqui, no Rio, e ele também, a gente imaginou que poderia ser oportuno, sabe?
Joesley – Ah, tá, putz, mas…
Andrea – Mas o recado que recebemos foi que você estaria vindo pra cá.
Joesley – Ah, tá, então deu alguma confusão. Ele não tem como passar aqui essa semana, em São Paulo?
Andrea – Eu posso ver e te falo depois… Tá? Ele volta ainda hoje para Brasília e aí a gente fala depois.
Joesley – Tá, eu vou gravar esse número teu aqui também.
Andrea – Isso, por favor.
Joesley – Tá joia, obrigado!
Andrea – Grande abraço e bom domingo.
Joesley – Outro, também, tchau, tchau.

Retomo
"Ah, Reinaldo, isso prova que o Aécio é inocente?" Ora, eu não tenho de provar a inocência no senador. Aliás, nem ele próprio está obrigado a isso no Estado de Direito. Ao MPF cumpre provar a sua culpa, certo? Esse diálogo evidencia algumas coisas:

1: existe um apartamento sendo negociado:
2: Andrea quer que Joesley o conheça e fala da oportunidade da visita, já que a mãe, a proprietária, também está no Rio, em companhia, entende-se, de Aécio;
3: fica claríssimo que Andrea e Joesley não têm a menor intimidade.

Ocorre que outras conversas e evidências poderiam tornar irrelevante o diálogo acima. Para tanto, teriam de evidenciar que os R$ 2 milhões que Joesley repassou a Aécio eram mesmo, como acusou o empresário em sua delação, pagamento de propina.

Se uma conversa assim existiu, está escondida. Mais: para que tal dinheiro seja propina, pagamento indevido, é forçoso que o MPF aponte a contrapartida oferecida pelo senador, ainda que na forma de uma promessa. Onde está? A denúncia é longa, leitor, e você só terá a certeza do que digo se a ler na íntegra. Se o fizer, verá que, em nenhum momento, Janot aponta o benefício concedido ou prometido por Aécio a Joesley. Não há uma vírgula. Quanto à acusação de obstrução da investigação, bem…, aí a coisa vai além do ridículo. Ele só exercia seu papel de senador.

Bem, a Justiça se debruçará sobre essas questões, e cumpre ficar atento. Como se nota, Joesley estava gravando tudo e decidiu que essa conversa não interessava ao MPF. Afinal, ela deixa claro que, com efeito, havia um apartamento sendo negociado, conforme afirmaram Aécio e Andrea. Ainda que os R$ 2 milhões digam respeito a alguma outra coisa, é preciso que se diga por que seria "propina". E isso não está na denúncia de Janot.

Não obstante, para concluir o quadro surrealista, o senador está afastado de seu mandato, embora inexista tal punição na Constituição. E, por óbvio, as medidas cautelares do Artigo 319 do Código de Processo Penal não se aplicam a parlamentares.

Reparem que não escrevo um texto para afirmar que inocentes estão sendo tratados como culpados. Não sou juiz. Escrevo um texto em que aponto a degradação do devido processo legal. E ela colhe tanto um Lula como um Aécio. E mais uma penca de pessoas.

"Ah, se não for assim, não se combate a corrupção!" É mentira! É inaceitável que se agrida a lei sob o pretexto de combater a corrupção. Sempre que se escolhe tal caminho, a corrupção sobrevive, mas o Estado de Direito sai diminuído. Ou vai para o brejo.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.