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Reinaldo Azevedo

E Lula, quem diria?, não será mesmo preso amanhã. Eu disse! E agora? Vão xingar São Moro?

Reinaldo Azevedo

12/07/2017 17h04

Sérgio Moro condenou Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex de Guarujá. O primeiro crime rende pena de prisão de 2 a 12 anos — Moro a fixou em seis; o segundo, de 3 a 10 anos: ficou em três anos e meio. Ao definir a pena, o juiz considera atenuantes e agravantes. De 22 anos possíveis, no limite superior, fixou-a em pouco abaixo da metade.

Estou ainda lendo a sentença de Moro, de 238 páginas. Encontrando alguma novidade fora do que vou afirmar em seguida, aviso, mas creio que não. O juiz condenou Lula com base nas delações e no chamado conjunto das circunstâncias. Inexiste um documento que ateste que o apartamento pertence ao ex-presidente. Ao contrário: os que há atestam não pertencer. Há, assim, o risco de a decisão ser reformada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região? Há, sim! Aconteceu com João Vaccari Neto, por exemplo.

Lula vai ser preso amanhã?
Não! Lula não vai ser preso amanhã. E, como sabem, eu sempre disse que não seria. E não é assim porque eu quero. É assim porque é o que determina a lei. Tenho lado e torço, claro! Mas aqui fala o jornalista, que tem a obrigação de não engabelar o leitor.

Vamos ver. O Supremo decidiu que se pode proceder à execução provisória da pena a partir da segunda instância: na esfera federal, uma condenação decidida por um Tribunal Regional Federal; na estadual, por um Tribunal de Justiça. Mesmo que condenado em primeira instância, a pessoa recorre em liberdade A MENOS QUE ESTEJA DADA UMA DAS QUATRO CAUSAS DA PRISÃO PREVENTIVA, PREVISTAS NO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, A SABER:
a: risco à ordem pública;
b: risco à ordem econômica;
c: risco à instrução criminal (para preservar provas e testemunhas);
d: risco de não-cumprimento da Lei Penal (fuga).

Moro se atrapalha bastante ao explicar por que não mandou prender Lula. Transcrevo trecho de sua sentença:

Referindo-se a Lula, escreveu o juiz:
"Como defesa na presente ação penal, tem ele, orientado por seus advogados, adotado táticas bastante questionáveis, como de intimidação do ora julgador, com a propositura de queixa-crime improcedente, e de intimidação de outros agentes da lei, Procurador da República e Delegado, com a propositura de ações de indenização por crimes contra a honra. Até mesmo promoveu ação de indenização contra testemunha e que foi julgada improcedente, além de ação de indenização contra jornalistas que revelaram fatos relevantes sobre o presente caso, também julgada improcedente (tópico II.1 a II.4). Tem ainda proferido declarações públicas no mínimo inadequadas sobre o processo, por exemplo sugerindo que, se assumir o poder, irá prender os Procuradores da República ou Delegados da Polícia Federal (05 de maio de 2017, "se eles não me prenderem logo, quem sabe um dia eu mando prendê-los pelas mentiras que eles contam, conforme http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/se-eles-nao-me-prenderemlogo-quem-sabe-eu-mando-prende-los-diz-lula/).

Essas condutas são inapropriadas e revelam tentativa de intimidação da Justiça, dos agentes da lei e até da imprensa para que não cumpram o seu dever. Aliando esse comportamento com os episódios de orientação a terceiros para destruição de provas, até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva."

Bem, se "caberia", então por que não decreta a preventiva? Ele responde assim:
"Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex-Presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extrair as consequências próprias da condenação. Assim, poderá o ex-Presidente Luiz apresentar a sua apelação em liberdade."

Quem quiser entender o debate siga lendo. Se quiser gritaria, aí é preciso procurar outro.

Notem: Moro NÃO PODERIA nem prender nem deixar de prender Lula pelos motivos alegados. Dura lex sed lex. Eu realmente não acho que recorrer à Justiça seja, em regra, uma forma de intimidação. Sim, há várias chicanas jurídicas que podem entrar nessa categoria. Que se saiba, as empreendidas pela defesa do ex-presidente não estão entre elas.

E o caso da "destruição de provas"? Notem: isso compõe a delação de Leo Pinheiro, mas não há evidências a respeito. O empreiteiro nem mesmo afirmou ter seguido a suposta orientação. Mais: como evidenciar que aquela dita determinação estaria a indicar um risco ainda presente? Assim, o juiz não teria como alegar, no momento, risco à ordem pública ou à ordem econômica. Também não se cuida de falar em interesse da instrução criminal porque já não há o que o petista possa fazer em matéria de provas e testemunhas. E não há evidência de que pretenda fugir. Como o próprio Moro deixa claro, Lula quer é ficar e disputar eleição.

Digamos, no entanto, que estivesse dada a razão para prisão. Então não poderia deixar de ser decretada só porque envolve "certos traumas". O que isso quer dizer? Lula é poderoso demais para ser preso? Melhor ficaria o juiz sem fazer tais considerações. Deveria ter optado pelo caminho didático: não prende porque a lei não autoriza.

Noto, finalmente, que um juiz não precisa se desculpar, como faz aqui:
"Por fim, registre-se que a presente condenação não traz a este julgador qualquer satisfação pessoal, pelo contrário. É de todo lamentável que um ex-Presidente da República seja condenado criminalmente, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei. Prevalece, enfim, o ditado "não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você" (uma adaptação livre de "be you never so high the law is above you"). "

A única coisa que se espera de um juiz é que decida conforme a lei.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.