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Reinaldo Azevedo

Fux lê como norma seu voto derrotado e se volta contra o STF e Carta: marcha da insensatez 1

Reinaldo Azevedo

21/11/2017 08h51

Fux: O doutor costuma ser pródigo no direito criativo. Desta vez, perdeu a modéstia

Luiz Roberto Barroso é, sem dúvida, o mais ideológico dos ministros do Supremo. Chegarei a ele. Mas Luiz Fux é, de longe, a figura mais, como posso chamar?, esfuziante do tribunal, com traços de espalhafato. É um homem, já revelei aqui, que não teme o inusitado. Quando foi indicado para o STF por Dilma Rousseff, foi comemorar em companhia de Sérgio Cabral, então governador do Rio, e seu séquito. Não sem antes anunciar que faria algo inédito, ajoelhou-se e beijou os pés de Adriana Ancelmo, primeira-dama do Estado. O homem sabia a quem estava sendo grato. Reuniu-se ainda com José Dirceu e João Paulo Cunha, dois réus do mensalão. Ao à época ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, declarou-se o tipo de juiz que "mata a bola no peito". Nomeado, aprovado, com as bênçãos e o patrocínio do PT, que o havia escalado, votou contra a companheirada. E, como se verá, posa agora de Torquemada do país descoberto por Cabral, o Sérgio. Explico.

O doutor decidiu conceder nesta segunda uma entrevista à BBC Brasil. Classificou de "Lamentável, vulgar e promíscua" a decisão da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) de revogar as respectivas prisões preventivas dos deputados estaduais Jorge Picciani (presidente da Casa), Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB do marido daquela a cujos pés ele se rendeu em lisonja. Vai ver Fux é um apreciador de Augusto dos Anjos: "O beijo, amigo, é a véspera do escarro".  Estivessem mais atentos,  seus amigos de antes e alvos de agora talvez tivessem seguido os conselhos do poeta: "Apedreja essa mão vil que te afaga,/ Escarra nessa boca que te beija!". O ministro está na Inglaterra. Participa de um seminário na Universidade de Oxford. A entrevista à BBC Brasil foi concedida na sede da BBC, em Londres.

Quem não sabe do que Fux está falando ficará, sim, com a impressão de que a Alerj fez algo ilegal, o que é mentira. E quero que Picciani, Melo e Albertassi se danem. Nunca os vi pessoalmente nem mais gordos nem mais magros. Quem conhece essa gente poderosa do Rio é Fux, não eu, que não beijo os pés de ninguém nem me ajoelho diante de potentados dos reinos animal, vegetal ou mineral. Trata-se de uma das entrevistas mais malandras que já li, que enrola também os jornalistas — malandragem, entenda-se, em sentido intelectual.

Indagado sobre a decisão, a primeira resposta de Fux é esta:
"Eu entendo que essa é uma decisão lamentável decorrente de uma interpretação incorreta feita em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (de dar ao Senado o poder de rever medidas cautelares contra Aécio Neves), por 6 a 5, apertada maioria. Portanto, entendo que a tese dessa decisão vai voltar ao plenário. Mas eles se basearam nessa decisão para entender que os deputados estaduais têm as mesmas imunidades dos congressistas federais. Entretanto, houve, no caso federal, uma provocação do Judiciário. E as Assembleias estaduais estão utilizando de maneira vulgar e promíscua essa decisão do Supremo sem provocação em relação ao Judiciário. É uma decisão lamentável, que desprestigia o Poder Judiciário, gera uma sensação de impunidade e que certamente será revista pelo Supremo Tribunal Federal."

É um espanto! Fux afirma que a decisão do STF, que submete ao escrutínio das Casas Legislativas, a aplicação de medidas cautelares contra parlamentares foi tomada 6 a 5 e tem de voltar ao plenário. O doutor não reconhece que 6 seja mais do que 5 quando ele está do lado perdedor. De todo modo, a decisão mais gravosa tomada pelo TRF2 foi a prisão preventiva dos parlamentares, não o afastamento cautelar do mandato.

O ministro finge ignorar dois Artigos da Constituição: o 53 estabelece que parlamentares só podem ser presos por flagrante de crime inafiançável. E o 27 concede aos deputados estaduais as mesmas prerrogativas e imunidades dos parlamentares federais. Assim, mesmo em relação às medidas cautelares — QUE NÃO ESTÃO PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO PARA PARLAMENTARES, NOTE-SE —, a interpretação dada pelo Supremo no que concerne aos parlamentares federais vale também para os estaduais. Mas Fux discorda. Segundo o preclaro, o que o STF decidiu só valia para deputados e senadores porque houve "uma provocação" — vale dizer: porque houve Ação Direita de Inconstitucionalidade.

Mas onde é que está escrito isso?

Respondo: em lugar nenhum!

E onde está escrito que os parlamentares estaduais têm as mesmas prerrogativas e imunidades dos federais?

No Parágrafo 1º do Artigo 27 da Constituição.

Muito bem, quem lesse a resposta anterior, ficaria com a impressão de que, com efeito, a Alerj teria cometido alguma impropriedade. Mas eis que o ministro afirma em outra resposta:
"A Constituição estabelece que, até a denúncia, a competência é do Poder Judiciário. Então, o Poder Judiciário não precisaria de autorização nenhuma do Congresso e das Assembleias para determinar medidas cautelares. No meu modo de ver, a decisão do Supremo é incorreta. Ela restou proferida por uma maioria, mas na essência é uma decisão incorreta."

Ah, agora entendi. Fux está dizendo que decisão com a qual ele não concorda não vale. Reitere-se: já antes de o STF votar o caso Aécio, parlamentares só podiam ser presos em flagrante de crime inafiançável, valendo o mesmo para os deputados estaduais. Os crimes de que o trio é acusado não são inafiançáveis nem houve flagrante.

O Congresso Brasileiro já foi mandado para a lama. O Executivo vive permanentemente debaixo de vara. Fux, parece, pretende agora desmoralizar um pouco mais o STF

"Lamentável, vulgar e promíscuo", além de indecoroso, é atacar em solo estrangeiro uma decisão tomada pelo tribunal a que ele pertence., transformando sua mera opinião em fonte da verdade. Opinião que, de resto, ignora a Constituição.

Se o STF tornar sem efeito a decisão da Alerj, estará passando a borracha no Artigo 27 da Constituição. O 53 já foi rasurado quando se admitiu a aplicação de medidas cautelares a parlamentares, o que simplesmente não está na Constituição.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.