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Reinaldo Azevedo

Geddel, o HC e a imprensa - Para que o jornalismo não se confunda com palpiteiros vagabundos

Reinaldo Azevedo

13/07/2017 01h10

Reinaldo Azevedo no dia 4 de julho neste blog, no jornal matutino da BandNews e no programa "O É da Coisa", na mesma emissora: "Decisão de juiz que mandou prender Geddel viola a lei e a língua portuguesa. Infelizmente!"

Decisão do desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional da 1ª Região tornada pública nesta quarta: prisão preventiva de Geddel "ofende o direito e o vernáculo".

"Azinimiga" dizem que sou vaidoso. Não! Eu sou esforçado. A opinião, que sai a custo tão ridículo para certas ligeirezas falastronas, a mim custa um tanto mais caro. Não opino, por exemplo, sobre uma decisão judicial sem que a leia previamente. Acho que é uma questão de honestidade com o leitor, com o internauta, com o ouvinte, com o telespectador. Se não entendo alguma coisa, pesquiso. Se a dúvida persistir, procuro um especialista para que me ajude.

Só sei fazer as coisas assim. E qual é o tribunal mais severo que enfrento? Eu mesmo! Como é de conhecimento público, não dou a menor bola para o que dizem a meu respeito — ou não teria saído de peito aberto, como saí, em defesa do Estado de Direito e na contramão da loucura dos Janots da vida, que meteram no mesmo saco crimes e criminosos distintos, elegendo, no entanto, os de estimação para premiá-los, e, assim, fazer história vagabunda. O que dizem a meu respeito não me importa. A minha consciência é o crivo.

Pensam que é fácil ou tranquilo chegar num blog, num programa de rádio, num jornal de TV e mandar brasa: "Decisão de juiz que mandou prender Geddel viola a lei e a língua portuguesa. Infelizmente!"? Ah, não é! Em primeiro lugar, minhas caras, meus caros, é preciso ter lido a decisão, não é mesmo? Ou se opina apenas com o "traseiro gordo", para lembrar bordão antigo do "Casseta & Planeta". Nesse caso, o vigarista ou o vigarista de esquerda procedem assim:
"Geddel é político, já foi ministro de Michel Temer, acabou deixando o cargo naquele entrevero com o então ministro da Cultura, é acusado por alguns delatores… Bem, então ele deve ter sido preso por bons motivos. ABAIXO A IMPUNIDADE!".

Mas há os vigaristas de direita — alguns por pura conveniência. A abordagem pode ser outra:
"O juiz que mandou prender Geddel não é o Vallisney Oliveira, aquele que aceitou a denúncia contra Lula por obstrução da investigação em razão da delação de Delcídio do Amaral? Ah, então o cara deve estar certo. ABAIXO A IMPUNIDADE!"

Nota à margem: até membros do MPF começam a perceber que Delcídio delataria até a Branca de Neve por assédio ao anão Dunga se percebesse que isso lhe devolveria o banho quente… Adiante.

Pois é… Fui ler a decisão de Vallisney, tomada no auge do movimento especulativo contra Temer. Fiquei envergonhado. A tal vergonha alheia! O doutor espanca a inculta & bela com determinação, com afinco, com zelo. Cravou lá até um "haverem provas". Mas a forma era só o ornamento do conteúdo, que considerei capenga. O texto, que publiquei no dia 8, às 5h09, está aqui. Fiz comentário de igual teor no noticiário matutino da BandNews FM e no programa "O É da Coisa".

E, bem… Vocês podem imaginar, não? Os esquerdistas, com aquela sapiência característica, acusaram-me de estar tentando defender "os meus amigos". Geddel nunca foi nem minha fonte. Jamais falei com ele. A extrema-direita xucra, que ressuscitou o lulo-petismo em companhia do esquerdista Rodrigo Janot e agora tenta se fazer de desentendida, também reagiu com violência. Os bobalhões acham que o poder lhes vai cair no colo se "toda a classe política tradicional for destruída". Isso é de uma ignorância de tal sorte profunda quem nem errado consegue ser.

Absurdos
Notei que o juiz considerava "ameaça à instrução criminal" os telefonemas que Geddel havia feito à mulher de Lúcio Funaro. Na decisão, não havia transcrição de falas, sinais, evidências, nada. No fim das contas, o que o doutor escreveu foi o seguinte: "Ah, vamos prender para tentar saber se os telefonemas caracterizavam ou não a obstrução. Ou por outra: Vallisney recriou "a prisão para averiguação".

Escrevi eu no dia 4:
"Geddel ameaçou a mulher de Funaro? Há evidências disso? Se há — e não está no despacho do juiz —, existe motivo para a preventiva. O simples telefonema não significa absolutamente nada. Geddel não estava sob medida cautelar nenhuma que o impedisse de telefonar para quem quer que fosse. O juiz não tem dúvida: se Geddel ligou para a mulher de Funaro — e, reitero, o conteúdo da ligação não é revelado —, então é sinal de que ele pode ameaçar familiares de outros envolvidos na operação. A peça, com a devida vênia, sobe alguns graus na escala do delírio."
Escreve o desembargador Ney Bello:

O que se discute é se o investigado Geddel Vieira Lima, esponte própria ou em acordo com outros potencialmente agredidos pelas declarações de Lucio Bolonha Funaro tentou saber de seu estado de ânimo e, em seguida, de sua intenção em delatar ou denunciar o próprio Geddel Vieira Lima, além de terceiros. Não há delito aparente em obter informação, quando este ato não é ilegal e muito menos criminoso. Mais que isso, é um ato até esperado, considerando a inexistência de proibição de contato com a esposa do Delator e a natureza da posição de investigado do próprio Geddel. Donde o ilícito?"

Escrevi eu no dia 4:
Só não direi que é "coisa inédita porque não há mais ineditismo na Lava-Jato em matéria de desmando. Ora, se o que se diz sobre Geddel é verdade é se, mesmo fora da CEF, ele continuou a interferir no banco público, que isso seja considerado na hora da sentença e na dosimetria da pena. Afirmar que ele segue sendo um risco à ordem pública hoje porque continuou delinquindo em 2015 é de exotismo teórico ímpar. Parece mesmo que PF, MPF e setores do Judiciário estão dispostos a testar os limites das instituições.
Escreve o desembargador Ney Bello:

Há de se fazer uma observação: condenação final em processo crime — por fatos ilícitos — é totalmente distinta de hipótese de cabimento de prisão cautelar. Não se há de decretar prisão preventiva em razão de fatos pretéritos. A própria língua portuguesa — através da palavra "preventiva pressupõe a ideia de prevenir a sociedade e o processo — principalmente em sua fase de instrução — de atos praticados pelo infrator. Ofende o direito e o vernáculo prender preventivamente alguém por ato pretérito, sem contemporaneidade.

Escrevi eu no dia 4:
O juiz avança e diz que Geddel, se solto, pode procurar escamotear o dinheiro irregular que teria arrecadado, caracterizando risco à ordem econômica. Seria cômico se não fosse trágico — e é trágico para o direito. A operação Cui Bono foi deflagrada no dia 13 de janeiro, há quase sete meses. Geddel deixou a diretoria CEF em dezembro de 2013. E PF e MPF vêm dizer agora, com a concordância de Vallisney, que, solto, o ex-deputado e ex-ministro pode maquiar o produto das ações ilícitas? Ora, a essa altura, a coisa já estaria feita.
Escreve o desembargador Ney Bello:
Neste caso, até o momento presente, não há sequer indícios mínimos de cometimento contemporâneo de Lavagem de Dinheiro a justificar a prisão por encarceramento. Também percebo que a prisão fora decretada com outro fundamento. Ofensa à ordem pública e ao processo penal, haja vista o risco de provas e de objetos dos crimes de corrupção. Impende pontuar, inicialmente, que o custodiado perturbar a ordem pública, social, nem econômica, sobretudo, que ele não mais ocupa qualquer cargo ou função pública

Caminhando para o encerramento
A decisão de Bello há de ser tomada como exemplo de triunfo dos valores consagrados pelo Estado de Direito. Nem ele nem eu dissemos que Geddel é inocente. O doutor lembra, aqui, uma questão fundamental, na qual venho insistindo:
– "Condenação final em processo crime —  por fatos ilícitos — é totalmente distinta de hipótese de cabimento de prisão cautelar. Não se há de decretar prisão preventiva em razão de fatos pretéritos.";
– "A prisão preventiva, portanto, enquanto medida de natureza cautelar, não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada do indiciado ou do réu, nem permite complementação de sua fundamentação pelas instâncias superiores
"
(transcrevendo decisão do STJ).

Olhem aqui, meus caros, a decisão do desembargador Ney Bello evidencia que o direito ainda respira. Não! Não escrevo isso porque concordo com a decisão, como resta claro, mas porque Bello toma o cuidado de ancorá-la em farta jurisprudência. A sua decisão, que pôs Geddel em prisão domiciliar, está aqui. A do juiz Vallisney, que determinou a preventiva, está aqui.

Leiam, comparem, analisem. Vejam qual das duas apela ao direito como um saber, como uma ciência, não "exatamente exata", se me permitem o gracejo, e qual lembra a fala de um curandeiro, que jura ter o unguento certo para todos os nossos males. Observem qual se atém à jurisprudência e qual avança para o direito criativo, que é aquele território em que todos nós, e não apenas Geddel, somos expropriados de nossos direitos em nome das convicções, idiossincrasias e fantasias do julgador.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.